quinta-feira, 23 de outubro de 2008

O homem no avião


Seu silêncio me ensinou uma lição inestimável.
Ele deve ter ocupado aquele assento durante todo o vôo cuja origem era Londres. Indiano, aparentava menos de 40 anos, tinha estatura mediana, era magro e usava um blazer. Quando embarquei no vôo da Emirates, em Dubai – era outubro de 2003 -, meu assento ficava perto do dele.
Olhei seu rosto e tentei sorrir, ao me sentar. Mas encontrei um olhar vazio e distante, que me deteve o sorriso. É um daqueles, pensei.
Sempre que pego um vôo, tento conversar com o passageiro ao lado. A maioria reage positivamente; afinal, está a 12 mil metros de altitude, e sozinho. Só que me contenho quando se trata de um daqueles poucos que mal acenam com a cabeça. Assim, voar tem me ajudado a conhecer pessoas. Para um jornalista, isso pode ser a semente de uma história inesperada, ou, simplesmente, uma chance de ouvir algo diferente. De qualquer forma, com uma boa companhia lá em cima, o tempo também voa. Ultimamente, viajei ao lado de, entre outros, um jovem banqueiro e um consultor financeiro. Já conversei com um engenheiro médico alemão, dono de patentes de implantes cardíacos, um gerente de eventos de Paris, uma avó de férias, de Mumbai....Em novembro, voei com alguns soldados iranianos que voltavam da Europa. Você nunca sabe quem vai conhecer em seguida, e as pessoas costuma ser interessantes, depois que o gelo é quebrado.
No entanto, naquele vôo de três horas de Dubai para Mumbai, o homem de blazer à minha esquerda era um mistério. Olhei em sua direção algumas vezes, mas ele simplesmente olhava para mim. Deve ser um daqueles indianos esnobes que moram em outro país, pensei.
O que alguém perde trocando um simples sorriso com outro ser humano? Na maior parte do tempo, ele ficava com o olhar fixo no assento da frente.
Por que algumas pessoas são tão arrogantes?
Quando a comissária de bordo trouxe o almoço, o homem anti-social estava com os olhos fechados. Ela me olhou como que perguntando se deveria acordá-lo. Eu não disse nada, e meu vizinho ficou sem almoço. Bem feito!
Logo em seguida o homem e me viu comendo, mas não pediu a refeição. E bastava ter apertado o botão. Problema dele.
Ainda tínhamos quase duas horas de vôo pela frente. Li uma revista, tentei jogar um videogame, escutei música. O sujeito não fazia nada. Às vezes nossos olhares cruzavam, mas o homem não estava ali. Era diferente de qualquer outro passageiro que já tivesse viajado ao meu lado. No momento em que o avião aterrissou em Mumbai, achei sua presença quase desconfortável. Enquanto o avião taxiava na pista, o interfone comunicou as mensagens finais e concluiu com um pedido para que todos os celulares permanecessem desligados por mais algum tempo.
Aí ouvi o homem falar pela primeira vez – e ao celular. Que atrevimento!
Aparentemente, estava discutindo sobre seu vôo de conexão. Sobre alguém recebê-lo...parecia algum esquema especial. Minha vontade era dizer-lhe que se calasse e desligasse o aparelho.
Pouco antes que a aeronave parasse por completo, ele foi o primeiro a se levantar.
“Com licença”, disse. “Quer me deixar sair? Não posso perder minha conexão.”
Hum !... Levantei-me para lhe dar passagem enquanto ele continuou mecanicamente:
- Minha mulher e meu filho morreram num acidente de carro em Nova Délhi.
-Oh! Exclamei de forma inadequada – Sinto muito...
Enquanto via o homem saindo apressado antes que os outros passageiros bloqueassem o corredor, permaneci em choque com a revelação. De repente, tudo fez sentido. A situação mudou. Passei a ser o vilão por tê-lo julgado de forma tão precipitada – e tão errada.
Eu poderia ter falado primeiro!
Apesar da terrível perda e da tormenta por que estava passando, o homem se achava calmo, controlado e digno... E talvez, em meio ao sofrimento devastador que vivia, ele não quisesse oprimir um estranho com a sua dor.
Aquele era um homem corajoso, um companheiro de viagem com quem aprendi uma lição inestimável: olhar além das aparências e nunca fazer suposições antes de conhecer realmente uma pessoa.
Mohan Sivanand

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