segunda-feira, 3 de novembro de 2008

As bizarrices chinesas que mais espantam

Em abril passado, a revista Superinteressante publicou um texto meu
com bizarrices sobre a China que fez muito sucesso na rede e foi copiado e copiado um sem número de vezes. Pois bem. Aqui está um texto ampliado sobre o mesmo tema, já que na internet a gente tem mais espaço para explicar melhor as estranhezas deste planeta (ainda) distante chamado China.


"A história dos encontros entre sociedades ocidentais e orientais sempre rendeu bons relatos e o explorador italiano Marco Pólo é talvez o primeiro e melhor exemplo do quanto o chamado “choque de civilizações” entre Ásia e Europa é fonte de histórias únicas e, por vezes, bizarras para os países do Ocidente. Marco Pólo escreveu basicamente sobre sua experiência na chamada Rota da Seda, um caminho aventureiro e tortuoso dos caçadores de especiarias e antiguidades que começava no Mediterrâneo e terminava no Norte da China. Curiosamente, nada mais emblemático deste choque de culturas do que a China. A de hoje, ressalte-se. Não a de Marco Pólo.
Afinal, trata-se de uma sociedade com mais de quatro mil anos de história, sendo os últimos 100 anos os mais turbulentos do ponto de vista de qualquer ciência, especialmente as humanas. Não é à toa, portanto, que a China reúne em si tanta contradição aparente, tanta lógica própria, tanto hábito particular. Quer ver?
• Apesar da abertura econômica, a China é uma ditadura política e toda e qualquer oposição ou crítica ao governo é tratada como “ameaça ao regime”. Segundo o Committee to Protect Journalists, há hoje 29 conhecidos jornalistas e mais de 50 blogueiros presos por criticarem o regime. Isso sem contar o interior do país.
• Mulheres com mais de 28 anos e que não se casaram são consideradas um aberração numa sociedade conservadora e ainda voltada para o casamento. Ser gay é um atestado de morte para a família paterna, pois são os filhos homens que determinam o sobrenome do filho (ou da filha) num casamento. A mulher não existe.
• Ignorar a privacidade dos outros é regra na China, apesar de tudo. Graças a anos de isolamento e uma idéia obtusa de bem estar coletivo, estrangeiros ainda são encarados na China como se fossem ETs. Mesmo entre chineses, bisbilhotar ou tomar conta da vida alheia é quase uma obrigação e não são raras cenas de pessoas prestando atenção em conversas de outras no telefone, nas telas de computador e até em cartões de ponto no trabalho.
• O crescimento acelerado faz da China o segundo maior emissor de gases do efeito estufa do mundo, superado apenas pelos EUA, mas alguns cientistas afirmam que o país assumirá a desonrosa liderança este ano no máximo em 2009 (alguns institutos dizem que isso já ocorreu). Segundo estudo do Banco Mundial, a China tem hoje 16 das 20 cidades mais poluídas do mundo, entre elas Pequim, sede das Olimpíadas de 2008, que tinha a pretensão de ser "uma Olimpíada verde". Nada menos que 400 mil pessoas morrem prematuramente, todos os anos, de doenças causadas por poluição.
• O desequilíbrio entre os sexos na China está se aprofundando e existem hoje no país 18 milhões de homens adultos em idade de casamento (entre 20 e 45 anos) a mais do que mulheres, segundo a Comissão Nacional de População e Planejamento Familiar. A situação é ainda mais alarmante no campo, com uma relação de 122,85 homens para cada 100 mulheres, bem acima da média nacional de 119,58 homens para cada 100 mulheres. O governo da China admite que o problema deriva da campanha de planejamento familiar, conhecida como a política do filho único, que desde os anos 80 penaliza com multas pesadas as famílias que decidem ter mais de um filho. Em 2020, mantido o ritmo atual de crescimento, a China terá 30 milhões a mais de homens em idade de casamento do que mulheres, o que obrigará o país a importar mulheres de outros países para fazer frente à demanda das famílias.
• Segundo as redes jornalísticas de TVs internacionais, como CNN ou BBC, há um atraso de cerca de oito a dez segundos na transmissão da programação destas redes na China. É o suficiente para que o censor chinês tire do ar a rede caso constate que a notícia não é positiva para a China.
• A história de que os chineses comem de tudo é uma meia-verdade. De fato, são os habitantes das províncias sulistas, em especial os moradores de Guangdong, na fronteira com Hong Kong, que comem de tudo, inclusive cachorros, considerados animais de estimação no Centro-Norte da China.
• Há um mapa-múndi feito durante a dinastia Qing, em 1763 — na verdade, uma cópia de uma mapa originalmente elaborado em 1418, durante a dinastia Ming — cuja autenticidade, se comprovada, pode finalmente provar que foi o navegador chinês Zheng He, e não Cristóvão Colombo, o descobridor da América.
• O excesso de controle sobre a vida dos cidadãos e a tradição confucionista hierárquica da China cria adultos infantilizados, segundo os psicólogos do país. Enquanto as mulheres seguem vestindo-se com roupas adolescentes, no estilo “Hello Kitty”, os homens iniciam suas experiências sexuais bem depois dos 23 anos, segundo pesquisas do próprio governo. O governo vê isso com bons olhos.
• Saber o sexo do filho durante a gravidez é proibido na China e a licença dos médicos pode ser cassada se eles revelarem a informação. Apesar desse controle, o aborto é legalizado na China e acontece normalmente em qualquer hospital de médio ou grande porte de Pequim, muitas vezes em estágio avançado de gravidez. Por conta disso, a China é hoje um dos países mais avançados em pesquisa de células de embrião.
• A China tem cerca de 30 mil censores – e variados programas de palavras-chave - tentando controlar tudo o que os chineses comentam na internet.
• Existem hoje na China cerca de quatro milhões de católicos patrióticos, que é como são chamados os católicos chineses que expressam sua fé na Igreja Católica, mas negam o Papa como o líder máximo da Igreja. Bispos e padres patrióticos só são nomeados com a autorização do Partido Comunista da China, à margem do Vaticano, que não possui relações diplomáticas com a China, mas com Taiwan. Além disso, existem cerca de seis milhões dos chamados católicos clandestinos, ou seja, aqueles que obedecem ao Vaticano e, por conta disso, são obrigados a viver escondidos e realizar missas em locais afastados dos grandes centros.
• O governo da China estuda alterar a legislação trabalhista do país para incluir benefícios que hoje a lei não prevê, como décimo-terceiro salário ou mesmo férias de 30 dias. De um modo geral, para as empresas operando na China, um trabalhador custa hoje 57% de seu salário, em média. No Brasil, é mais de 100%.
• A Internet tem sido um enorme campo de batalha pelos direitos individuais e a privacidade na China. Veja-se a pornografia, por exemplo. Chineses que forem pegos pela polícia envolvidos em atos considerados pornográficos (mesmo que adultos e consentimento entre si) podem ir para a cadeia. Tudo em nome de proteger menores na rede. Mas a situação começa a mudar. Um casal que assistia a um filme pornográfico em casa em Pequim foi denunciado por um vizinho à polícia, que não apenas prendeu os dois chineses, como confiscou filmes e até o computador. Mas o episódio gerou uma enorme reação de internautas, que condenaram, com comentários anônimos, o que chamaram de "exagero da polícia" e "intervenção na vida privada das pessoas". O casal foi solto.
• Os chineses fazem em público o que se deve fazer somente em banheiros, como limpar "profundamente" narizes e orelhas, soltar gazes ou limpar os dentes com palitos de boca escancarada. Heranças comunistas, com certeza.
• A pirataria na China é epidêmica. DVDs com os últimos lançamentos da indústria cinematográfica mundial são vendidos a 15 yuans (US$ 2) nas lojas de Pequim. Bolsas piratas Prada e Louis Vuitton saem por 150 yuans (US$ 20). Relógios Calvin Klein e Patek Philippe, por 50 yuans (US$ 6,8). No mercado de produtos high-tech chamado Zhingguancun — mas conhecido como Vale do Silício entre os moradores de Pequim —, estima-se que a receita de venda anual das milhares de lojinhas que vendem de iPods a laptops de última geração, legais ou não, vá chegar a um trilhão de yuans (US$ 126,9 bilhões) em 2010.
• Se há um lugar em Pequim onde o pênis é cultuado, este local é o Guolizhuang, um restaurante especializado em pratos à base de pênis de nove animais: touro, jumento, cão, cobra, cervo, carneiro, búfalo, foca e cavalo. Ali, a idéia é que a comida vai levantar o instrumento do cliente. Vive cheio.
• Pinyin é a técnica criada pelos chineses para romanizar os caracteres do país e facilitar seu aprendizado pelos ocidentais. Todos os programas de computador e celulares da China hoje usam uma fórmula em que o chinês tecla a palavra em pinyin e o programa dá as opções em ideogramas, de acordo com o som. Mas, segundo especialistas, as novas gerações chinesas estão cada vez menos habituadas a escrever manualmente os caracteres, que são introduzidos nos documentos e telas digitais de micros e sistemas de mensagem de telefones celulares via pinyin. O resultado é que os chineses estão se esquecendo como se escreve em caracteres.
• O Comitê Central do Partido Comunista da China (PCC) lançou uma campanha que, há 30 anos, daria anos de cadeia a todos os marketeiros do partido, mas que hoje busca melhorar a imagem do país. O Comitê de Orientação Espiritual Civilizatória (o nome é esse) do PCC lançou uma campanha para melhorar os hábitos dos chineses, algo que se assemelha às lições de "pode e não pode" dadas às crianças nos jardins de infância, ou seja: não escarre em público, especialmente escandalosamente; não joge lixo no chão; não fume em locais fechados; não faça barulho ou converse aos berros; não grite no celular; não fique de cócoras em lugares públicos e lave as mãos antes das refeições e após ir ao banheiro. Nas grandes cidades, a coisa melhorou muito, mas vai para Hebei, aqui do lado, para ver só.
• Durante a década de 50, disposto a eliminar os bichos que insistiam em atrapalhar o projeto comunista de crescimento e melhora da saúde pública da China, o líder Mao Tsé-tung lançou a Campanha das Quatro Pestes, em que a população era incitada a eliminar ratos, moscas, mosquitos e pardais. Cinquenta anos depois, é a vez de dois insetos atormentarem os chineses. Segundo os jornais chineses, a cidade está infestada de cupins e mariposas brancas americanas, que ameaçam o valiosissimo patrimônio cultural e histórico do lugar, em especial a Cidade Proibida.
• A invasão dos restaurantes de fast-food está trazendo problemas para o país: mais de um em cinco adultos chineses estão hoje acima do peso. Ano passado, pelo menos 160 milhões de chineses foram diagnosticados com pressão alta, 19% da população adulta, uma alta de 78% em comparação com os 90 milhões de 1991.
• Estudo do Instituto de Pequisa Científica da Comissão Nacional de População e Planejamento Familiar da China informa que menos de 2% das mulheres chinesas casadas que não desejam ter filhos tomam contraceptivos para não engravidar. Poucos casais usam preservativos na hora do sexo. Ou seja: num país onde o aborto não é ilegal e onde ter mais de um filho quebra financeiramente o casal, o aborto é a maneira mais comum de se evitar um filho.
• A cada semana de feriado do Ano Novo chinês, mais de 300 milhões de pessoas se deslocam pelo país para visitar suas famílias — naquele que é considerado hoje o maior movimento migratório do planeta. O sistema de transportes na China já entrou em colapso e está provocando situações inusitadas e constrangedoras: muitos camponeses, em longas viagens de volta para a casa no feriado, estão comprando fraldas para adultos porque não conseguem ir aos banheiros nos trens superlotados.
• Todos os chineses são unânimes em apontar que, se o (a) jovem passa de 25 anos e não arruma marido ou esposa, a situação começa a ficar tensa. Se, por um lado, a Revolução Comunista brigou pelo fim da tradição histórica chinesa que via no casamento um acerto financeiro para as famílias dos noivos — muitas vezes os cônjuges sequer se conheciam — e acabou com a pressão sobre os jovens, a política do filho único e a abertura econômica instauradas no fim dos anos 70 trouxeram de volta a infame sombra do casamento obrigatório.
• Segundo o Ministério da Educação da China, mais de cem milhões de chineses estudam inglês hoje no país nas escolas de ensino básico (onde o curso de idioma é opcional) e intermediário (obrigatório). Essa estatística não inclui os cursos de inglês privados, onde se estima que cerca de 50 milhões de pessoas estudem. Segundo o pesquisador Ted Fishman em seu best-seller "China Inc.", a China tem cerca de 300 milhões de pessoas falando inglês como segundo idioma hoje no país, ou seja, um número igual à toda população dos EUA..
• Apesar do pragmatismo comunista, os chineses são extremamente supersticiosos. No meu prédio, por exemplo, não há os andares 4, 14 e 24, porque o ideograma do quatro – si - lembra sonoramente o ideograma da morte. O que significa que um número de celular terminado em 4 ou com muitos números 4 é bem mais barato que o resto. Por sua vez, os números com muitos algarismos 8 – cujo ideograma lembra o som da prosperidade – são bem mais caros.
• Se alguém quiser entrar para o Partido Comunista da China tem que declarar-se ateu.
• Falar aos gritos. Este hábito faz muitos estrangeiros acharem que os chineses vivem discutindo uns com os outros, o que não é verdade.
• Quem mora em alguma grande cidade chinesa já percebeu dois modelos obrigatórios: as calças sem fundilhos das crianças e os pijamas. As calças sem fundos datam de uma época em que não havia fraldas ou dinheiro para comprar pano para fazê-las. Ainda hoje, são popularíssimas e muita criança usa. Os pijamas já dá para ver com menos freqüência hoje em dia, mas nos hu tongs, onde a maioria das casas não possui banheiros, é fácil ver os moradores desfilando na rua de pijamas, especialmente a caminho do banheiro, alguns de peniquinho na mão. Tem casal que ainda vai ao supermercado de pijama. Alguns chineses não vêem nada de mais nisso, mas a classe média chinesa começa a desaprovar totalmente o hábito. Da mesma forma que condenam o popularíssimo hábito de ficar de cócoras, considerado hoje coisa de jeca.
• É certo que os banheiros públicos da China não primam exatamente pela higiene impecável, mas o governo, Justiça seja feita, briga diariamente para mudar este panorama. Recentemente, os governos de Pequim e Xangai aprovaram uma lei que obriga os estabelecimentos que lidam com público _ de grandes hotéis a pequenos bares _ a mudarem seus banheiros e construírem privadas onde antes existiam somente as chamadas louças higiênicas, locais onde o sujeito coloca os pés e faz suas necessidades (tipo o número 2) de cócoras mesmo. Muito normal para os chineses, que ficam de cócoras esperando transporte em ponto de ônibus, mas pouquíssimo normal para os ocidentais nas grandes cidades.
• Em Pequim, poucos lugares possuem área de fumantes e não fumantes (na prática, porque na teoria existe) e a maioria sequer ouviu falar em adoçante. Traga o seu.
Enviado por Gilberto Scofield - 24/10/2008
http://oglobo.globo.com/blogs/gilberto/

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