terça-feira, 9 de junho de 2009

O auge e a decadência



Por Lusa Silvestre.

Pra você ver a ironia da vida. Repara: quando o homem acumula cultura adquirida em anos e anos de leituras, das mais estúpidas pra avivar um conversê no boteco às mais profundas para dilacerar coronárias femininas;
quando a gente finalmente aprendeu a falar línguas não porque a gente queira, mas porque o emprego e a internet obrigam;
quando temos paciência para ouvir e malandragem para balançar a cabeça fazendo a-hã como se prestássemos atenção;
quando já pensamos duas vezes antes de olhar para uma bunda porque pode dar discussão de relacionamento; enfim estamos melhores como parceiros e tudo, aí é tarde: temos barriga. Parece praga, quando estamos finalmente polidos na cultura e no caráter, quando somos o melhor que a natureza pode oferecer às mulheres (melhor que isso não fica); aí vêm com o ônus de uma barriga mole, quem sabe branca, de repente peluda, mas sem dúvida meio tira-tesão. Percebe? No nosso auge cultural, econômico, religioso e tudo mais, estamos conhecendo o começo da nossa decadência física; estamos na pontinha da queda-livre etária desgovernada.

A primeira conclusão que eu tiro é que amadurecer engorda. Ler um livro, nossa, como engorda. Sentar na frente da lareira ou deitar na rede com um livro na direita e um copo de gin tônica na canhota, sério, umas oito mil calorias. Ter conta para pagar, e portanto ter ansiedade, isso também é muito calórico. Eu, por exemplo, toda vez que chega o IPVA e o seu comparsa, o IPTU, corro pra geladeira tomar sorvete. Levar a sério o aquecimento global, e eu levo a sério porque tenho filhos, faz o sujeito querer pensar na vida, e isso acontece só quando eu estou tomando cerveja. Ver filmes no cinema engorda demais. Só não engorda mais porque aquela pipoca que vendem no cinema ­ e só vendem daquelas ­ custa um absurdo. Filme no DVD, então ?
Eu nisso gosto de variar o modo de ganhar peso: quando é um filme-cabeça, como sorvete de chocolate com amêndoa. Se é comédia, filme independente americano, House, esses trens leves, Cookies and Cream ­ do branco, presta atenção que o outro não é a mesma coisa. A sorte que eu tenho, eu e muitos de nós (os semi-gordos), é que desde Luzia, a primeira brasileira, que o
gênero feminino se mostra mais amadurecido que o masculino. Aliás, é a minha segunda conclusão.

Não sei porque, talvez o Chico Buarque que tanto conhece de mulher saiba, mas o fato é que tem muita mulher que não liga muito pra essa coisa boba de barriga. Para muitas, se o sujeito leva bem uma conversa, decide coisas importantes com humanidade, mostra a responsabilidade que se espera depois dos vinte e cinco, corre atrás da vida porque assim que se faz, a mulher releva. Se tiver bom humor, então, ah, aí pode até ser gordo e fanho. Claro, tem que ter um mínimo de decência e vaidade; a moça merece. Ninguém aqui quer correr a maratona de Nova Iorque, mas custa caminhar um pouco todo dia de manhã ? Não precisa frequentar a academia ­ desde que se mantenha a elegância. Há limites. Se começar a aperecer o cofrinho toda vez que ele for sentar, é bom avisar. Barriga até vai, mas cofrinho é demais.

Lusa Silvestre é cronista do Blônicas.

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