terça-feira, 16 de junho de 2009

Sujeitinho de sorte


Moramos em uma pequena chácara no interior de São Paulo, eu e meu adorado marido. Agora aposentados, podemos observar com tranquilidade coisas que a correria diária não nos permitia ver. Como sempre fazemos, tiramos uma hora no fim da tarde para nos sentarmos na varanda e contemplarmos a natureza na sua plenitude.

Numa dessas tardes, mexendo nas minhas orquídeas presas a uma boa mangueira, descobri um ninho de tico-tico, que uma mãe zelosa confeccionara com todo o cuidado. Estava protegido pelas folhas das plantas.

Então passamos a observá-lo, até que um dia encontramos um ovo.

Ficamos felizes em saber que o pássaro escolhera um lugar tão especial, e que nos permitia aproximar dele sem alvoroço.

No dia seguinte voltei para ver o feito, e, para minha surpresa, além daquele ovo, havia mais dois, e isso me intrigou bastante. Naturalmente não pode ser dela, porque, no dia anterior, só havia um ovo no ninho, pensei.

Já ouvira falar de um pássaro hospedeiro que põe seus ovos nos ninhos de tico-ticos para que eles sejam chocados e criados por uma mãe tico-tico. Olhando melhor, pude notar que um dos ovos se distinguia dos outros: era maior e de cor diferente. Deixamos a natureza agir, mas acompanhamos de perto.

Não demorou muito e lá estavam eles: os dois tico-ticos bebês e um sujeitinho feio e bocudo, que reclamava muito, para desespero da mãe, que mal dava conta dos três filhotes.

Os dias foram passando e aquele sujeitinho feio foi ficando cada dia maior, diferente dos irmãos. Muito faminto, empurrava e espremia os outros dois para fora do ninho.

Foi aí que descobri que se tratava de um filhote de chupim, cuja mãe, oportunista, colocara seu ovo em ninho alheio para que fosse chocado e criado. Soube também que, por causa disso, muitos tico-ticos filhotes são jogados para fora do ninho pelos outros passarinhos que ali se encontram, e acabam morrendo, o que os coloca em perigo de extinção.

Então decidi agir. Sentindo o peso da responsabilidade, tirei o filhote de chupim e o levei para dentro de casa. Coloquei-o numa caixinha, improvisei um ninho com uma flanela, para ficar bem quentinho, e comecei a tratá-lo com papinha para calopsita (que eu já crio há tempos). Para onde eu ia, o levava comigo, porque ele precisava ser alimentado de duas em duas horas. Assim nosso convívio se intensificou.

Ele dormia ao meu lado, sob o calor da luz do abajur. Os dias foram passando e, quando percebi, meu coração já era dele. Meu marido lhe deu o nome de Pim. Ele conhecia minha voz. Quando me aproximava, ficava agitado, arrepiando a cabecinha, esperando um cafuné ao mesmo tempo que batia as pequenas asas com frenesi.

Então abria um bocão enorme e esperava pela papinha, que engolia sofregamente. Era incrível! Bastava jogar um beijo estalado para ele que logo vinha a resposta: pim... pim... pim.

Depois da papinha, eu dava um banho nele com a bombinha de água. Ele adorava. Às vezes, o levávamos para debaixo do chuveiro, e aí eu o colocava no porta-toalhas. Ele segurava firme com os pezinhos, até eu acabar de secá-lo com o secador de cabelos. Andava na nossa cabeça, e nos fazia companhia no jantar, voando de lá para cá dentro de casa. Ficava horas no meu ombro, curioso, como se estivesse me experimentando, devotando total confiança em mim.

Logo seu corpinho se encheu de penas, e suas asas cobravam liberdade, então fui preparando meu coração para soltá-lo e deixá-lo livre.

Numa manhã qualquer, eu e meu marido nos enchemos de coragem: coloquei-o sobre as mãos e me despedi, certa de que jamais o veria de novo. Ele arriscou um voo esquisito, e foi parar na mangueira mais próxima, onde ficou, até que a gente não o viu mais. A noite chegou e ele não voltou. Meu coração ficou apertado. Onde estaria meu pequeno Pim? Estaria com frio, com fome, sobreviveria à primeira noite fora de casa?

No dia seguinte, enquanto tomávamos o café da manhã em silêncio por causa da falta que aquele passarinho fazia, ouvimos seu chamado na janela da lavanderia. Lá estava ele de volta, e foi assim por dias e dias, até hoje. Ele vem nos visitar quando quer. Assim que chega, nos chama com seu inconfundível “pim”.

Geralmente estou dentro de casa, nos meus afazeres, quando o escuto chamar. Jogo meu beijo e ele responde, então sabemos que está na varanda, às vezes pousado numa gaiola que mantenho aberta para que ele entre, coma sementes de passarinho e beba água.

Assim que me vê, começa a abrir o bocão e bater as asinhas, esperando pela sua papa na boca. Depois se despede e reaparece algumas vezes durante o dia, como se quisesse dizer “ei, estou aqui!”

Quanto aos bebês tico-ticos (já não tão bebês), estão sempre por perto com a mãe, colhendo as sobras de sementes que deixamos em um prato no jardim.

É incrível que, para salvar a vida de dois tico-ticos, ganhamos o amor de um chupim. Nada é mais gratificante do que vê-lo voar livre, indo e vindo, a seu bel-prazer. Sua chegada é sempre uma festa para nossos
corações.

E nos perguntamos: “O que fizemos para esse chupim?” Temos certeza de que o amor que sentimos e a total confiança que ele sente ao nosso lado é que o fazem voltar.


Elizabeth e Elmar
http://www.selecoes.com.br/revista_leia_aqui_artigo.asp?id=5041

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