domingo, 26 de outubro de 2008

O Sedutor

"Meus olhos já foram mais azuis, meus cabelos tinham um louro profundo de portrait de bebê. Vou ser sincero. Ser bonito ajuda na sedução, mas não é tudo. Conquistar uma mulher é arte, estratégia hormonal, safári epidérmico à sensualidade. Dá sempre trabalho, e eu, hoje aos 60 anos, mais de mil deusas no currículo, pelo menos trezentas entre as mais lindas atrizes e figurantes dos filmes brasileiros dos anos 70, eu sei do que falo. Peguei quem eu quis. Leia na minha camisa: "Eu sou um Dom Juan, um caçador urbano". Dediquei minha vida a isso, a um romantismo calculado, como se existisse uma matemática da libido. Leia nas costas da minha camisa: 'Um estrategista da volúpia amorosa'. Eu sou aquele que você está pensando, mas não só: junte no balaio Porfírio Rubirosa, Jorginho Guinle, Baby Pignatari, Antônio Maria, Zé Bonitinho, Marcos Paulo e os sedutores clássicos. Falo por todos.

Para cada conquista se faz necessária uma engenharia da arte da sublimação, do ser macho, para compensar todo o trabalho prazerosamente suado à mulher. É um QI dos privilegiados. Eu sou um deles. A conquista da fêmea, e eu falo das carnes mais poderosas dos anos 70, é ato de guerra, de submeter o 'inimigo' às suas vontades fantasiosas — de preferência, é claro, na horizontalidade.

O sedutor busca o regozijo epopeico à infinita libido do seu eu. Desculpe a marra, mas vim, vi e venci todas as guerras que pratiquei. Pretas, brancas e até uma atriz estrábica ali na virada para os anos 80. Sei me aproximar. 'De quem é esse sorriso maravilhoso?' 'É da minha mãe.' 'E esse olhar profundo?' Antes do filme do Almodóvar eu já sabia. Fale com elas. Perdoe a expressão, mas mulheres gozam pelo ouvido. Não é para ficar dando aquelas lambidas molhadas, que elas detestam. Gostam é de palavras gentis, pelo menos enquanto chega a hora de apimentar o verbo. Carinho, eis o código do sedutor, e eu já vibrei sexo em muitas orelhas. As intelectuais costumam me aborrecer. Acham que filosofar sobre o absurdo do nada deixa-as com mais desenho de bunda, um peito mais inflado. Pode até ser.

Nesses embates, eu também jogo meus paradigmas para parecer alguns centímetros mais alto. Mas intelectuais são muito higiênicas, me esfriam — embora, é claro, jamais tenha expulsado uma da cama. Sou grato a todas. Em cada mulher que conquistei encontrei alguma forma de sabedoria maior, como se elas fossem uma enciclopédia que eu lia aos beijos, interessado na lição.
Mulheres são faculdades especiais. É nelas que se faz a pós-graduação na grande matéria da existência. A sedução do outro. Daquela que foi treinada para não se entregar. Cada mulher conquistada era uma civilização nova, e continua sendo, mas eu devo admitir: tenho lido menos enciclopédias. Aos 60 eu gosto mais de ministrar aulas, como essa que estou dando aqui. Seduzir é aprendizado. Tire proveito do seu olhar. Vibre o poder da palavra sussurrada nas entrelinhas. Eu aprendi sozinho.

Parto do princípio de que não existe mulher feia. Apenas uma mais bonita que a outra. Algumas são absolutamente necessárias, mas dessas não falo nem aos amigos mais próximos. Todas carentes, inseguras e de olho em alguma estria num espelho ao pé da cama. Eu me fazia de míope e perguntava onde meu bem?, onde, minha flor?, e as cobria de beijos e lascívias.

Elas são frágeis e até mesmo aquelas que saíam na capa da Manchete desabavam nos meus braços reclamando de alguma aflição. As da pornochanchada se achavam injustiçadas, queriam fazer Glauber Rocha, e eu ouvia, ouvia, e dizia que sim, que Bergman ainda lhes seria melhor. Sempre procurei evitar as trágicas, que essas se jogam pelas janelas a cada meia hora e dá trabalho resgatar corpos e auto-estimas. Pior. Você pode ir junto. Mas valeu cada suor que eu doei nessa guerra fascinante, o grande duelo do homem nesse vale de lágrimas.

Cada mulher é detentora de mecanismos absolutamente contraditórios em relação às outras conquistadas. São espécimes distintos, de outra galáxia talvez, travestidas de fêmeas terráqueas a nos enlouquecer. Elas nos submetem se subordinando.

Cheguei aos 60 anos convicto de que um homem é impotente diante de uma fêmea quando desejosa de ser conquistada. Imaginamos que somos os reis da cocada e, no entanto, são elas as impreteríveis conquistadoras. Lindas. Tenho um amigo que só não admite um tipo. Joga uma barata na cozinha e observa. Desconfia de mulher que não tem medo de barata. Acha prenúncio de que ela não gritará no orgasmo. Eu levanto todo dia da cama com essa missão. Me submeter aos seus caprichos.

Namorei uma judia árabe que na hora do sexo queria que eu latisse. Lati. Ela queria vozes diferentes e eu aprendi a rosnar como um doberman numa semana, como um pastor alemão na outra. Não queria perdê-la. Tenho saudades daquela outra que gostava de transar na janela, gritando vitupérios contra a cidade lá embaixo. Amar uma mulher é sacrificar alguns de nossos instintos mais nobres. Se apaixonar é fazê-los se suicidarem. Um homem apaixonadíssimo é dominado, desesperado, e em muitos momentos fui assim. Sofri. Chorei rodrigueano no meio fio e pensei em cometer a auto-eutanásia. Pensei em morrer para deixar de sofrer por uma mulher que foi embora, morava no Horto, e fez comigo o que eu fiz com outras. Não quis mais. Desesperado por ela, vi minha fortaleza de macho reduzida às dimensões de um casebre.

De resto, abro o jogo. Sou predador. Acredito na visceralidade do desejo. Tudo sem precipitações juvenis. Armo minha rede lúbrica, rabelaisiana, e espero. Nunca segurei na mão antes da hora. Quando chega o momento, peço licença para pegar num dos dedos dela, peço licença para colocá-lo na boca, e pergunto respeitosamente: 'Posso tirar o esmalte com meus beijos?'. Ela: 'Ah, eu tô suada'. Eu: 'Teu suor é um licor'. Elas querem jogo. Não entendo rapazes que puxam cabelos nas boates. Sou romântico. Selvagem na cama, se lhes for do gosto, depois vou na cozinha e espremo uma laranja. Faço suco.

Com o passar do tempo, eu reconheço que a ardileza do approach possa ter mudado. Hoje até a mulher conquista. Mas acho que a delicadeza na voz, o olhar, os mimos materiais e as palavras doces, essas estratégias persistem. Para conquistar já fiz uma viagem a Nova York com a minha escolhida da semana, uma loura assaz difícil. Mas sei também que às vezes se faz mais urgente um poema, um acróstico com o nome dela. Gosto de falar específico de cada vitória e exibir depois, como sagrado, o coração da minha nova alcachofra. Acho que é um escudo natural do ser humano, um código secreto que une a todos e ninguém confessa. Eu preciso seduzir."
Autor: Joaquim Ferreira dos Santos
Site: http: //http://www.velhosamigos.com.br/

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