quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Um lugar de amor


Certa vez, ao final de um show no bistrô que fica dentro da loja Modern Sound, em Copacabana, fiquei escutando enquanto uma repórter entrevistava a grande cantora da Bossa Nova, Leny Andrade. A repórter fez uma daquelas perguntas de praxe sobre se a cantora sentia algum nervosismo em dia de estréia, e Leny nem esperou que ela terminasse. Foi logo dizendo: No instante em que piso no palco, estou segura. É como chegar em casa.”
Ao escutar isso, lembrei de uma frase parecida que ouvi do escritor Ruy Castro, ao falar sobre como se sente dentro de uma livraria: “Tenho a sensação de que, ali dentro, nada de mal pode me acontecer. Eu me sinto cercado de amor.” Segundo ele, há uma explicação para isso: é que as pessoas que se envolvem com livros – escritores, editores, livreiros, compradores – são, em 90% dos casos, apaixonadas por leitura. Donde, os livros transpiram esse amor.
É uma teoria interessante. E talvez isso explique por que as livrarias são lugares tão aconchegantes. Não falo dessas megastores em voga atualmente, que, embora muito úteis, parecem lojas de departamentos, mas sim daquelas livrarias pequenas, ou mesmo de porte médio, que ainda sobrevivem em várias grandes cidades pelo mundo afora.
E o que faz essas livrarias tão aconchegantes? São algumas características, que vou tentar descrever.
Primeiro, os livros. Por menor que seja a livraria, os livros devem, é claro, estar arrumados de maneira lógica, com espaços para ficção e não-ficção, com ordem alfabética por autor, e também com áreas específicas para livros de arte, livros para jovens ou infantis, livros de viagens, etc. Mas, ao mesmo tempo, deve reinar, em meio a essa arrumação, uma doce bagunça. Os livros devem estar dispostos de forma a convidar o leitor a manuseá-los, a tê-los nas mãos antes de se decidir pela compra. E as estantes precisam ser atraentes, bonitas, de preferência de madeira escura, fazendo lembrar uma daquelas bibliotecas inglesas que todos invejamos (como a do Professor Higgins em My fair lady, lembram?).
Outra coisa: é bom que o dono da livraria esteja sempre presente, andejando pela loja ou atrás do balcão.
Se isso não for possível, que pelo menos os vendedores tenham a cara da livraria, isto é, que nós possamos reconhecê-los e conversar com eles sempre que formos lá. É fundamental que vendedores de livrarias sejam pessoas que amem os livros, que gostem de ler e saibam o que estão vendendo. Adoro aquelas livrarias onde o vendedor conversa com a gente e faz sugestões, dizendo que leu tal ou tal livro e adorou.
É claro que o que vou dizer agora não é fundamental, mas bem que ajuda a criar um clima delicioso dentro de uma livraria: um café. Livrarias com cafés são comuns hoje em dia, mas, salvo engano, a pioneira foi a carioca Bookmakers, na Gávea, que infelizmente não existe mais. Aproximadamente na mesma época (mas creio que um pouco depois), a Argumento do Leblon abriu o seu café e hoje há até restaurantes dentro de butiques de roupa. Sair do cinema e ir fazer um lanche na Travessa (qualquer uma), no Rio, ou na Livraria da Vila (qualquer uma), em São Paulo, virou o programa mais natural do mundo.
E com razão. Quer coisa melhor do que se sentar à mesa com o livro que acabou de comprar e começar a folheá-lo enquanto entra por suas narinas um delicioso cheirinho de café? Ruy Castro está certo: a livraria é um lugar de amor.
Heloisa Seixas é romancista, contista e cronista. Publicou nove livros de ficção e um de não-ficção, O lugar escuro.

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