quinta-feira, 20 de novembro de 2008

A história de Fernanda

Campos de Jordão, cidade de clima frio, situada entre bosques de plátanos e araucárias, recomendada por médicos para descanso tanto físico como mental e apreciada por sua beleza e seu estilo totalmente europeu.

A beleza singela das flores nas janelas e as cortinas de renda branca nas formosas casas circundadas pelo verde natural dão um ar quase bucólico ao lugar.

Fernanda, uma mulher de quarenta anos, pele clara e cabelos ruivos repicados, desfila sua silhueta esguia pelo jardim da praça central.

Senta-se casualmente num banco, com os olhos absortos nas hortênsias do jardim, e começa a relembrar os acontecimentos de um ano atrás, que mudaram completamente a sua vida.

Foi numa tarde chuvosa de março, num shopping de São Paulo. Dobrava peças de calcinhas vermelhas rendadas da última coleção. Já havia fechado o caixa da sua famosa loja, Fernanda's Underwears. Famosa não só pelo bom gosto que tinha, mas, quem sabe, pelas inconfessáveis fantasias que provocava nos homens, que a imaginavam vestindo aquelas peças em seu corpo de curvas perfeitas.

Sua elegância e sensualidade eram sempre ressaltadas com o uso de lindos vestidos de seda pura que se misturavam a suavidade da sua pele bem tratada. Ela dirigia-se para a porta de saída quando...

- Parada, não fale nada. Coloque o dinheiro do caixa em sua bolsa. Pegue as chaves e vamos até o seu carro.

- Fernanda tremia ao ver aquele homem, moreno alto, de braços fortes, apontando-lhe uma arma e olhando de um lado para o outro nervosamente.

- Por favor, não me mate. Faço o que me pedir.

- Vamos logo, respondeu ele.

Seguiram a caminho da escada que os levaria ao estacionamento.

Fernanda mal conseguia abrir a porta do carro. Pensava no marido Carlos, um advogado bem-sucedido com quem era casada há 20 anos. Ele provavelmente nem notaria sua demora, quem sabe até, nem notaria se ela não dormisse em casa naquela noite. E seu filho Otavio, de 18 anos, que morava no exterior, fazendo intercâmbio, nem imaginaria o que se passava...

- Vamos, mais depressa, disse ele com a voz trêmula.

Com dificuldade, abriu a porta do carro e entraram. Ela dirigia desnorteada. A cidade de São Paulo tinha um grande movimento naquele horário, todos queriam chegar logo em casa.

Era orientada pelo homem e pelo revólver apontado para sua cintura. Seus olhos, marejados pelo nervosismo, viam as placas passarem rapidamente. Marginal Tietê, em seguida , Pinheiros e logo estavam os dois na rodovia Castelo Branco, sentido interior. As faixas intermitentes da estrada a hipnotizavam. Um repente de consciência a tirou do transe:

- Por favor, deixe-me parar e descer, você pode ficar com o carro, disse ela.
- Não, preciso de você. Acelere, disse ele.

Em duas horas já estavam além de São Roque e próximo de Mairinque quando, diante de uma curva fechada, achando que não conseguiria fazê-la devido a velocidade, brecou bruscamente. O Vectra branco capotou duas vezes e deslizou pela ribanceira. Só parou muitos metros depois, segurado por arbustos e algumas pequenas árvores . Um silêncio profundo tomou o lugar daquele turbilhão de imagens e ruídos que se passaram em segundos .

Ela acordou sem entender o que se passara e, num instinto de sobrevivência, saiu se arrastando do carro, que se tornara um monte de ferros retorcidos.

- Meus Deus, o que houve? Onde estou? Quem é você? Ele já estava do lado de fora, sentado no chão se recuperando. Sua perna direita sangrava muito .

- Como você está, perguntou ele preocupado. Antes que ela respondesse e, apesar de atordoado, vislumbrou um grande perigo. Do tanque de combustível escorria gasolina e faíscas de fogo saiam de algum lugar. Num impulso e com uma força descomunal, segurou Fernanda no colo e correu mata adentro. A alguns metros de distância, ouviu o barulho ensurdecedor de uma explosão.

Ofegante, colocou-a no chão . Sentou com o rosto apoiado nas mãos e esperou seus batimentos cardíacos voltarem ao normal.

- Não me lembro de nada. Não me lembro nem do meu nome, disse Fernanda enxugava com o dorso do braço o sangue que escorria de sua fronte.

- Sofremos um acidente grave. Acalme-se. Quando ela viu o ferimento dele, num impulso quase materno tirou a echarpe do pescoço e envolveu o ferimento da coxa musculosa, que sangrava muito.
- Precisamos sair daqui. Ir para um hospital, disse, fitando seus olhos.

Fernanda olhava para aquele homem ao seu lado. Embora um estranho numa situação totalmente atípica, se preocupava com ela e parecia saber exatamente qual decisão tomar. Isto lhe dava uma estranha segurança.

Apoiados um ao outro, andaram muitos metros, mas a dor, o frio provocado pela chuva que caía e a fraqueza que sentiam fez com que parassem.

- Vamos ficar aqui. Não podemos continuar. Amanhã continuaremos, ele falou decidido.

Debaixo de uma árvore imensa, se sentaram. Fernanda adormeceu, vencida pelo cansaço, mas ele, com o braço envolto naquele corpo frágil, tentava entender como pudera estar passando por aquilo. Só podia ser mais um pesadelo em sua vida.

- O que eu fiz, meu Deus, pensou ele.

Ele era Paulo, um bem-sucedido agrônomo que trabalhava numa fazenda em Curitiba, no Paraná. Casou com Ângela, uma mulher maravilhosa com a qual teve uma filha, Pamela, hoje com sete anos. Era imensamente feliz até que a um ano perdera sua esposa num acidente de carro. Dois meses depois, descobriu que sua filha sofria de uma doença rara. Precisa ser operada com urgência na Alemanha. Era o único lugar que poderia lhe salvar a vida. Vendeu casa, carro e, com a ajuda de dona Célia, sua mãe ,estava levando-a para ser operada na Alemanha.

Estava tomando as últimas providências em São Paulo quando foi assaltado por dois marginais. Nada lhe restou além da roupa do corpo. Desesperado e correndo contra o tempo, decidiu conseguir o dinheiro a qualquer custo para salvar sua filha, mesmo que o custo fosse anos de cadeia. E ali estava, diante daquela situação.

O dia clareou e ambos acordaram com os raios de sol que passavam por entre as árvores.Um velho homem lhes observava.

- Quem são vocês, o que aconteceu? Depois das explicações, seguiram seu João até sua casa.

Era uma velha casa, modesta mas aconchegante naquele momento. Um fogão de lenha aceso tinha um caldeirão de sopa fervente em cima. Uma cama com colchão de capim e coberta feita de retalhos. Um armário desbotado pelo tempo, com alguns poucos pertences. Uma janela que parecia um quadro mostrando nuvens no céu. Foi com isso que seu João ajudou Fernanda e Paulo. Tão pouco com tanto valor naquele momento, pensou Fernanda.

Só no dia seguinte, ajudado pelo sr. Hélio Guimarães, proprietário da Fazenda Santa Eliza, onde ficava a casa de seu João, é que foram levados a um hospital. Nenhum problema grave foi constatado, além das escoriações e pequenos cortes. A perda de memória de Fernanda seria temporária.

Com medo de ser descoberto, Paulo disse que Fernanda era sua esposa. Que vieram ali para procurar refazer a vida e perderam tudo com a explosão do carro. A convite, retornaram à fazenda do sr. Hélio com ótimas acomodações. Dormiram cedo para refazer as energias.

- Bom dia, disse Fernanda à Paulo. Você dormiu bem, querido?

Tratava-o como se o conhecesse há muito tempo. Não fazia perguntas do passado, como se pressentisse que não deveria nada recordar.

- Dormi sim. Venha, tome seu café e vamos caminhar um pouco. Precisamos conversar.

- Ele precisava, urgentemente, contar a verdade e devolvê-la à sua casa. Mas não conseguia. A delicadeza com que ela lhe tratava lhe fazia lembrar de um sentimento há muito esquecido. Ele temia que acabasse ao contar-lhe tudo.

Sr Hélio os acolheu como filhos . Paulo e Fernanda só compreenderam o porque depois que viram a foto de seu falecido filho, que era muito parecido com Paulo.

Três dias ficaram na fazenda, antes de voltar para seus destinos.

Paulo, diante da gravidade da situação de sua filha e da forte confiança e esperança despertada por seu Hélio, contou-lhe tudo o que havia acontecido.
Imediatamente, sr. Hélio tomou providências. Encaminhou a pequena Pamela à Alemanha e ofereceu trabalho a Paulo ali, na fazenda.

No terceiro dia na fazenda, sr. Hélio mandou preparar um jantar especial. Saborearam um delicioso jantar preparado por dona Ruth, cozinheira antiga da família. Comeram frutas da época e, para encerrar, um cálice de vinho do Porto. Sr Hélio falava muito, contava de suas viagens, suas façanhas com o filho. Mas todos pressentiam que aquela bela cena de união em família ia acabar. Sr. Hélio se recolheu mais cedo. Propositalmente.

Fernanda e Paulo subiram de mãos dadas a escada de madeira. O quarto que os acomodava tinha um estilo colonial. Era iluminado pela luz da Lua que entrava pela janela entreaberta, ultrapassando a cortina levemente esvoaçante. Ficaram de frente um ao outro. Fernanda passou a mão suave no rosto de Paulo, fechou os olhos oferecendo seus lábios carnudos ao beijo.

Paulo sabia que era errado, mas seria seu último delito. Não podia dizer não ao seu corpo. Abraçou-a e a beijou como se sugasse nela a força para sobreviver aos dias que viriam. Começou a despi-la e suas mãos tocavam os corpos sentindo a suave textura, reconhecendo através dos gemidos as áreas que lhes excitavam mais. Cada gesto, cada frenesi era compartilhado através do olhar terno que lançavam um ao outro. Sem palavras. O coração falava.

A suavidade do momento foi dando lugar à volúpia do desejo que os assolou. Seus beijos se tornaram ardentes, seus corpos se fundiram e freneticamente buscaram a explosão do prazer que consolidou na chegada dos dois ao Olímpo.

Amanheceu. Paulo já não estava mais na fazenda. Havia ido embora. Coube ao sr. Hélio contar toda a verdade a Fernanda e encaminhá-la de volta à sua casa. Seu marido a recebeu com um abraço e um suspiro de alívio. Interromperia ali as buscas.

Sua memória voltou rapidamente. Resolveu não dar queixa a policia, embora tivesse em mãos todos os dados que Paulo deixara para isso. Os seis meses seguintes foram de reflexão. Da percepção das mudanças de valores que havia ocorrido em sua vida.

Fernanda saiu de seu devaneio no banco da praça central de Campos de Jordão ouvindo um chamado:

- Tia Fernanda! Venha ver as pombas comendo milho...venha.....

Ela correu ao encontro da pequena Pamela de braços abertos.

Paulo fotografava a cena com um sorriso nos lábios.

Papai, podemos mandar esta foto pro vovô Hélio ? - Claro querida.


Escrito por Sandra Regina Sonsin Candello,
http://www.grandesautores.com.br/content/view/5264/27/
Sandra Regina Sonsin Candello, 50 anos, casada, natural de Salto-SP, residente em Indaiatuba-SP . Formada em Educação Artística pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Nossa Senhora do Patrocínio- Itu-SP.Fez vários cursos relacionados a Arte Plástica e História da Arte .Formada em Francês pela Wizard de Salto-SP.
Ministrou Aulas de Pintura no Conservatório Eleazar de Carvalho.Ministrou Aulas de Educação Artística e Desenho por 15 anos em escolas Particulares e do Estado;Ministrou Aulas de Pinturas Especiais e Restauração de Móveis na Casa do Caminho (1 ano);Atua em seu Ateliê desde 1995 ministrando aulas de: Pintura em tela, Desenho, Aquarela.
Foi presidente da UIA-m União Indaiatubana das Artes de Junho de 2006 a Junho de 2008.
Participa a dois anos como colaboradora,com poesias e crônicas,do site interativo:
http://www.brasilwiki.com.br/
Participa como colaboradora ,com poesias e contos a um ano do site interativo:
http://www.autores.com.br/

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