terça-feira, 21 de abril de 2009

"É muita história"...

O escritor Eduardo Bueno e Pedro Bial revelam com muito bom humor, e verdade, os bastidores dos principais fatos ocorridos no Brasil.

O sacrifício de Tiradentes


Como se deu o martírio de Tiradentes? Será que a figura física que guardamos dele é verdadeira? A série "É muita história" construiu até uma réplica da forca em que Tiradentes foi executado. Só uma dica que pouca gente sabe: o enforcamento não foi na atual Praça Tiradentes, no Centro do Rio.

“Pelo abominável intento de conduzir os povos da capitania de Minas a uma rebelião, os juízes desse tribunal condenam o citado réu à forca, e que nela morra a morte natural para sempre; (…) seu corpo será dividido em quatro partes e pregado em postes; (…) e a casa em que vivia será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique (…) e onde se erguerá um padrão pelo qual se conserve a memória desse abominável réu.”

Em 1789, achacados pelos impostos absurdos da coroa portuguesa, 12 rebeldes conspiraram por liberdade. Apenas um deles pagou com a vida. Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.

Nas últimas décadas foram feitas várias revisões históricas da figura de Tiradentes. Um véu de dúvidas caiu sobre o nosso herói nacional. Algumas fontes afirmam que Tiradentes foi um mero coadjuvante na Inconfidência Mineira feito bode expiatório do movimento. Outras fontes revelam que ele era um homem comum da época, que tinha posses, inclusive escravos.

O que ficou para a história não foi a vida do homem. Foi sua morte. Durante o julgamento, o ritual da execução, era como se ele soubesse que ia se transformar em mito. Símbolo da Pátria. Tiradentes se portou como um herói o tempo todo.

Talvez a grandeza do herói esteja em saber interpretar seu personagem na hora certa. Tiradentes fez isso no seu julgamento, por exemplo. Enquanto todos seus colegas da Inconfidência se acusavam mutuamente, foi dele o único gesto heróico: assumiu a culpa por todos eles. Está em um livro escolar de 1966: Ao saber que além dele outros conjurados foram condenados à morte, ele declarou: ‘”e dez vidas eu tivesse, dez vidas eu daria para salvá-los”.

A inesquecível frase de Tiradentes foi dita a seu padre confessor. Mas o melhor momento de nosso herói ainda estava por vir. Foi no dia 21 de abril de 1792. E o palco para a apoteose final de Tiradentes foram as ruas no Centro do Rio de Janeiro.

E aí quem deu a deixa para mais um lance heróico foram seus próprios inimigos, os juízes portugueses. Disseram: “Os juízes desse tribunal condenam ao citado réu a que, com baraço e pregão, seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca”. Ou seja, os portugueses se esmeraram para fazer da via-crúcis de Tiradentes, da cadeia ao patíbulo, um show macabro, público, que atraísse a maior audiência possível.

À frente do cortejo ia a cavalaria com suas fanfarras, depois o clero, os franciscanos e a irmandade da misericórdia de São Cristovão rezando salmos. Foi ordenado que todas as casas tivessem suas janelas cobertas, e era proibida qualquer palavra de piedade. No seu martírio, Tiradentes teve até pausa para uma oração, na frente da Igreja da Lampadosa.

Como é que você pode não associar essa cena à via-crúcis de Jesus Cristo? Com essa exibição pública de Tiradentes, os portugueses queriam dar um exemplo. Eles não contavam que Tiradentes interpretaria seu último papel de forma tão heróica – quase religiosa.

Mas essa associação entre Tiradentes e Jesus Cristo, essa imagem de um Cristo cívico, só apareceu cem anos depois de sua execução, de seu martírio. Era o final do século 19, quando a República dava seus primeiros passos. Os republicanos se apropriaram dessa história que, vá lá, tinha se tornado uma lenda urbana, e a transformaram no primeiro feriado da República brasileira. Aí nasceu esse Tiradentes de barba e cabelos longos que habita nosso imaginário. Parece com alguém que você conhece?

A verdade é que ninguém sabe como era a verdadeira fisionomia de Tiradentes. Os testemunhos são muito raros. Para começar, certamente a pessoa enforcada no dia 21 de abril de 1792 não tinha nada a ver com o condenado. O depoimento do Frei Penaforte, confessor de Tiradentes em seus últimos momentos, diz que o réu estava “com a barba e a cabeça raspadas”.

Tiradentes não tinha nem barba nem cabelo. Sabe como é que surgiu essa história aqui? Quando teve o primeiro feriado da República, a República concluiu que não tinha herói, nem história. Então, contratou um artista, o Décio Villares, que fez barba cabelo e bigode no Tiradentes.

Essa imagem deu tão certo que até os monarquistas tentaram pegar carona nela. O Visconde de Taunay acusou os republicanos de quererem monopolizar a imagem do Tiradentes. Ele disse que D. Pedro I, o Império, já tinha realizado o sonho de Tiradentes: a independência do Brasil.

Tiradentes virou mito para quem quisesse. Ele foi herói da República, herói da esquerda. Portinari, pintor comunista, chegou a retratá-lo com a cara de Luiz Carlos Prestes, durante a marcha da Coluna Prestes.

Quando houve o golpe militar de 1964, uma das primeiras decisões do primeiro general presidente, o Castelo Branco, foi fazer que o Tiradents se tornasse o patrono da Pátria. E fez mais: decidiu que todas as repartições públicas do Brasil deveriam ter efígie de Tiradentes. Como não havia uma efígie conhecida, ele escolheu a sua própria, já que todo mundo tinha escolhido uma, ele escolheu a dele. E foi uma estátua. A estátua de Francisco de Andrade, que fica na frente da Assembléia, exatamente onde era a cadeia da qual Tiradentes saiu para ir até o local da execução.


Mas essa lei acabou não pegando, porque parece que a história não se faz por decreto. Alem de a lei não pegar, os militares ainda tiveram de amargar com o fato de um teatro de contestação, um teatro engajado como era o Teatro de Arena, também se servir da Tiradentes. Tiradentes serviu para todos os fins de todos os usos – e, pelo jeito, continua servindo...

Quando teve a primeira festa republicana, os republicanos quiseram tapar uma estátua que eles chamaram de “trambolho de bronze” e disseram que essa estátua profanava a memória nacional e que a verdadeira memória nacional era o Tiradentes, que era o brasileiro que tinha lutado pela liberdade, ao passo que aqueles ali eram portugueses.

“Tiradentes tá aqui / Na praça eu vou falar / A avó dele, do Pedro, quem mandou enforcar / (…) Mas você pra mim, parceiro, você foi é um herói / Ele está aqui do seu lado, a vó dele não conheci / Mas você pessoalmente, já te estudei e te vi / Vou mandando esse papo, eu aqui não tenho medo… Aí D. Pedro, na moral, sou mais o Tiradentes, valeu?”
http://fantastico.globo.com/Jornalismo/Fantastico/0,,AA1638884-9546,00.html

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