quarta-feira, 1 de abril de 2009

Lenda da Serra que Chora - João Cândido da Silva Neto


Num reino distante o soberano tinha um único filho, o príncipe Igor, rapaz belo, inteligente e amado por todos os súditos. No reino vizinho havia duas princesas, filhas do rei que governava e era viúvo: Sâmia, a mais nova e Miléia, do primeiro casamento. Ambas foram criadas pelo pai com muito amor e carinho; este não demonstrava mais atenção nem a uma nem a outra. Recebiam ambas o mesmo tratamento afetuoso.

Os dois soberanos haviam combinado que o príncipe Igor e a princesa Miléia se casariam quando atingissem a idade propícia, mas os dois jovens nunca tiveram conhecimento deste acordo. Um dia, a princesa Sâmia e suas damas de companhia cavalgavam pelos campos e, ignorando os limites do reino, atravessaram o rio que separava os domínios do dois soberanos. Ao avistar o grupo de amazonas o príncipe Igor chamou seus cavaleiros e foram ao encontro delas e, de maneira gentil e cordial, dirigiu-se à princesa perguntando-lhe sobre os motivos que a traziam ao território do seu pai.

Encantada pela beleza e educação do jovem a princesa só conseguiu responder que não percebera ter ultrapassado os limites territoriais e, portanto, se desculpava pelo equívoco. O príncipe, gentilmente, se prontificou a acompanhá-la no trajeto de retorno. E assim ambos caminharam lado a lado, conversando animadamente, até chegar à margem do rio, onde montaram em seus respectivos animais.

Sabiam estar apaixonados e não conseguiam negar ou disfarçar este fato. Combinaram um novo encontro ali, na curva do rio, naquele recanto florido da planície que se estendia até no sopé da montanha.

Ao tomar conhecimento do ocorrido o rei envia o príncipe Igor para uma longa e demorada missão num país distante. E imediatamente comunica o fato ao soberano, pai da princesa Sâmia, que agradece, mas nada transmite à sua filha.

Mas uma das damas de companhia da princesa Sâmia, que ouvira e compreendera a conversa do rei, decide interferir. Chama um dos guardas palacianos e pede que ele rapte a princesa Miléia e a esconda num vale distante, explicando-lhe que estava salvando sua vida, pois uma terrível conspiração para derrubar o governo de seu pai estava sendo tramada.

O príncipe Igor retorna da missão e, para ganhar tempo, o pai lhe dá outra tarefa igualmente importante. E, no mesmo dia, os dois reis decidem marcar o casamento do príncipe Igor e da princesa Miléia para quando ele voltar. O desaparecimento da princesa Miléia está sendo mantido em sigilo pelo pai.

Mas, através de um dos seus cavaleiros, o príncipe Igor fica sabendo do plano do pai e também do desaparecimento da princesa Miléia, não comentado pelo pai dela. Naquela noite ele parte a galope para se encontrar furtivamente com a princesa Sâmia, que vai esperá-lo na curva do rio.

Ao se ver diante da amada ele explica o plano dos dois soberanos. Combinam se encontrar do outro lado do grande mar, no alto da montanha, pois ele está incumbido de conduzir um povo numa expedição de conquista e ocupação daquela ainda pouco conhecida região. Despedem-se e retornam aos seus respectivos palácios.

Mas o plano do príncipe Igor é descoberto pelo seu pai, que o chama e informa que a sua missão será adiada até o início do ano seguinte. E sem que o príncipe soubesse a expedição partiu naquela noite, sob comando de um dos sobrinhos do rei. A princesa Sâmia, animada pela esperança de ser feliz ao lado do seu amado, parte às escondidas e, disfarçada, cruza o grande mar. Após intensas dificuldades ela alcança a grande montanha e, no alto, se depara com uma povoação.

É recebida com muita alegria e surpresa pelos nativos, que fazem festa e cantam comemorando a sua chegada. Acostumados a viver praticamente nus em contato direto com a Natureza eles ficam admirados pela beleza da jovem branca, suas vestimentas e seus longos cabelos louros. Não conseguem compreender que uma pessoa possa ter cabelos daquela cor e só na luz do Sol encontram um elemento de comparação. E assim, passam a considerá-la uma deusa e a chamá-la de Guaraciaba, “cabelos do Sol”. Constroem para ela uma simples e aconchegante cabana numa pequena elevação a poucos metros da entrada da aldeia; e satisfazem com imenso prazer todos os seus gozos e caprichos. Ela se adapta rapidamente àquela forma de vida; transmite-lhes alguns dos hábitos de seu povo e, à noite, sempre diante da fogueira, conta-lhes histórias fantásticas do mundo que eles não conhecem.

Narra os acontecimentos que a levaram até aquela região e declara que representantes do seu povo estão para chegar e no comando vem o seu noivo, com quem se casará. Todos se alegram com estas notícias e passam a vigiar todos os dias na esperança de avistar logo os tão esperados visitantes. Muitos meses decorrem sem que se tivessem notícias dos aventureiros. Os mensageiros informam apenas que homens brancos chegaram em grandes canoas e se instalaram em vários pontos do litoral e no planalto. A princesa se impacienta com a falta de notícias. Não consegue imaginar o que pode ter ocorrido e se deixa invadir pela tristeza.

Mas, numa tarde, homens brancos se aproximam da aldeia numa expedição de reconhecimento. Os nativos correm a recebê-los, para conduzi-los à princesa. Surpresos pela festiva recepção eles se deixam levar até a cabana da deusa Guaraciaba. Mais surpresos ficam quando a reconhecem. Como sabiam do envolvimento dela com o príncipe Igor eles narram os fatos de que têm conhecimento. Informam que o príncipe se casara com a princesa Miléia, por determinação do seu pai, que alegara ter a princesa Sâmia desaparecido. Seu pai descobrira que a princesa Miléia tinha sido raptada por uma das suas damas de companhia e fora, por um dos guardas, escondida no alto da montanha. Com a ameaça de mandar enforcar a dama de companhia e o guarda os dois soberanos conseguiram convencer o príncipe Igor a aceitar o matrimônio.

A princesa se desespera. Todos os seus sonhos de felicidade se desvanecem naquele momento. Na aflitiva angústia de ver perdidas todas as suas esperanças ela sai correndo pela montanha, chorando alucinadamente. Ninguém conseguiria conter-lhe o desespero. No dia seguinte, bem cedo, os nativos decidem sair à sua procura. Dividem-se em grupos e seguem em várias direções. Encontram, e ficam conhecendo, inúmeras cachoeiras cuja existência ignoravam e, na sua simplicidade, atribuem a origem das quedas d’água às lágrimas copiosas que a deusa houvera derramado.

Entristecidos, eles continuam as buscas por dias e semanas. A cada nova cachoeira encontrada confirma-se a certeza de ter a deusa passado pelo local. Mas ela não seria encontrada, jamais. Guardaram na memória a bela imagem da deusa branca de cabelos do Sol, passando a cultuá-la em seus rituais. E até hoje chamam a região de Mantiqueira, “serra que chora”.

Conto extraído do livro “PROSA E POESIA – Nas Encostas da Serra que Chora” de João Cândido da Silva Neto.

Fonte: http://www.brasilescola.com/literatura/lenda-serra-que-chora.htm

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