terça-feira, 2 de junho de 2009

Baseado em fatos reais


De Nelson Botter Junior.

- Chefe, eu não sei como dizer isso, mas eu... eu preciso de um aumento.
- Você está falando sério?
- É, chefe, sei que é um assunto chato, mas é caso de necessidade.
- Na verdade, não vejo problema em você estar pedindo um aumento, um upgrade, afinal não precisamos estar esperando as coisas acontecerem sozinhas, né? Temos de estar sendo pró-ativos, estar buscando nossos objetivos, estar correndo de encontro ao sucesso!
- Sim, e usando gerúndios, né?
- Usando o quê? Esses termos técnicos...
- Sabe, chefe, eu fico constrangido ao pedir aumento.
- Ah, mas "quem não chora não mama", já diz o ditado! Eu até estou ficando muito satisfeito que você esteja pedindo um aumento. Poucos estão fazendo isso! Antes nós tivéssemos aqui na empresa funcionários, quero dizer, colaboradores como você. Sabe, há muito tempo venho observando sua alta performance. Confesso que não te via como um businessman, mas agora te vejo como um chairman. Você tem futuro, é mesmo top, um verdadeiro head!
- Nossa, chefe, nem sei o que dizer.
- Não precisa estar dizendo nada. Até prefiro assim. Quanto mais silêncio no meu setor, melhor. Atividade cerebral na equipe me incomoda. As ondas causam interferências no meu notebook.
- É, bem, e quanto de aumento poderei ganhar?
- Dentro do plano de carreira que vou estar oferecendo a você, temos várias possibilidades. Deixe-me ver aqui. Ah, está vendo essas pastas aí na estante? Pegue-as e organize-as. São cadastros que precisam estar sendo colocados em ordem alfabética e depois digitados.
- Eu poderia digitá-los antes e o programa do computador organizaria em ordem alfabética.
- Olha, um feedback rápido: eu sei que você é um profissional inteligente e agregador, gosto de suas idéias e sugestões, mas quando eu disser para você estar fazendo algo, faça do jeito que mandei e ponto final. Deixe suas considerações e criatividade para a sala do cafezinho, OK? Ah, deadline hoje às 20h.
- Tudo pronto até às 20h? Mas o expediente é até às 18h e não podemos fazer hora-extra!
- Hora-extra? Você sabe muito bem que isso não existe para cargo de trouxa, quer dizer, cargo de confiança!
- Chefe, são quase 17h. Para fazer tudo isso aqui de uma vez, só se eu varar a noite trabalhando.
- Então vare, oras. O importante é o foco no resultado!
- E a qualidade de vida?
- Isso é papo-furado de RH. Quer mais qualidade do que estar ficando aqui, no escritório, longe dos perigos da rua, das reclamações da esposa e dos filhos irritantes?
- Eu... eu... eu gosto da minha família.
- Ah, e quando terminar, deixe as pastas do lado de fora. Não vou estar deixando o meu escritório aberto para você ficar fuçando em tudo.
- Chefe, eu posso muito bem fazer essas coisas amanhã. Pra que ficar aqui de madrugada e depois ir pra casa?
- Ir pra casa? Muito folgado o senhor! De que adianta trabalhar de madrugada e não estar aqui no dia seguinte? Nem pense nisso, amanhã quero você aqui. Sua petulância está me irritando. Bem que já vinha percebendo uma queda em nosso clima organizacional por sua causa. Não seja uma sementinha ruim aqui dentro, hein!
- OK, mas... e quanto ao aumento...
- Meu caro, emprego não está fácil e precisamos estar cuidando do nosso, sempre. Hoje somos 300 nesta empresa. Já fomos 900. A carga de trabalho não diminuiu, mas o de funcionários sim, ou seja, todos estamos aqui produzindo por três.
- Sim, chefe, eu sei, mas e o aumento?
- Ué, aí estão as pastas.
- Não entendi.
- Você não pediu um aumento? Pois aí está o aumento... de trabalho. De que outro aumento você achou que poderíamos estar falando??? Você está no mundo corporate, na selva financeira, no mundo das águias, rapaz!
- Mas, chefe, e aquela coisa do “quem não chora não mama”?
- Pois é, aqui você chora, querido, mas quem mama sou eu...

Nelson Botter Junior escreve no Blônicas

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