sábado, 20 de junho de 2009

Cesária Évora

Marisa Monte e Cesária Évora
Ela canta desde adolescente, mas só aos 47 anos conseguiu sair de Cabo Verde e ganhar o mundo. Hoje, aos 58, Cesaria Evora é a rainha da world music, lotando teatros de Tóquio a Paris com sua mistura de samba, fado e mambo. “Gostaria de ter nascido no Brasil”, diz a cantora, famosa por se apresentar sempre descalça. “Talvez tivesse sido descoberta mais cedo”

Cesaria Evora esperou quase 50 anos para ficar famosa. Agora não tem mais paciência para nada. Estrela máxima da world music, detesta conceder entrevistas —dá respostas lacônicas, olha para baixo o tempo todo e ocupa as mãos com o zíper da bolsa ou o maço de cigarros. Também odeia a idéia de posar para fotos. “Esses fotógrafos atrasam a gente”, diz.

Nada disso impede o assédio dos jornalistas e do público: todos querem saber quem é, afinal, essa cabo-verdiana que encanta o mundo inteiro, de Madonna a Gilberto Gil, de David Byrne a Marisa Monte. Nem mesmo ela sabe explicar o motivo de tanta adoração. “Em Cabo Verde, eu ouvia Caetano Veloso e Angela Maria, achava as vozes bonitas. É uma coincidência eles gostarem de mim também”, diz, com modéstia.

Quem ouve um de seus oito discos percebe logo que está diante de algo muito especial. A voz é profunda, sentida, inesquecível. A música, delicada, se alterna entre os dois gêneros típicos de CaboVerde: a morna (que lembra o samba-canção, com uma pitada de fado) e a coladeira (mais dançante, próxima aos ritmos do Caribe). Mas a maior surpresa é a língua. À primeira audição, parece um português esquisito, embolado: é o crioulo, mistura de português, francês e idiomas africanos.

Seu último lançamento é “Café Atlantico”. Nesse álbum, a cantora está mais alegre do que nunca —a adição de três músicos cubanos deu um caráter ainda mais caribenho ao seu som. O disco traz um atrativo especial para os brasileiros: uma versão para “É Doce Morrer no Mar”, música de Dorival Caymmi sobre letra de Jorge Amado. A faixa foi produzida por Marisa Monte, que também tem participação nos vocais.

Cesaria começou a cantar aos 16 anos, por causa de um rapaz com quem saía na época. “Ele tocava violão, então eu podia cantar junto. Foi isso. Não era bem meu namorado. Só as meninas muito quietinhas e virgens namoram”, diz. Nos anos 60, passou dos bares de Mindelo (sua cidade natal, a segunda maior de Cabo Verde, com 50 mil habitantes) aos programas da rádio nacional. Nessa época, chegou a gravar dois compactos, prensados na Europa.

Em 1975, aos 34 anos, decidiu parar de cantar profissionalmente. Naquele ano, Cabo Verde conquistou a independência de Portugal, e a maioria dos músicos locais foi tentar o sucesso na Europa e nos Estados Unidos. Para Cesaria, o êxodo tinha razões políticas que não lhe diziam respeito. Resolveu ficar em sua terra cuidando da casa. Solteira, morava com a mãe e os dois filhos —Eduardo, que teve aos 18 anos, e Fernanda, mais nova.

Durante uma década, Cesaria permaneceu afastada de sua música. Voltar à carreira musical e ganhar o mundo não fazia parte de seus sonhos.“Não acredito em sonho”, diz, seca. “Mas já havia cantado para estrangeiros e sabia que eles gostavam muito. Achava que, se fosse cantar fora, todo mundo ia gostar de mim. Acreditava que um dia poderia acontecer, talvez estivesse destinada a sair de Cabo Verde.”

Estava mesmo: o arquipélago perdido no meio do Atlântico era pequeno demais para seu talento. Sem nunca ter procurado um produtor ou empresário, Cesaria viu os convites surgirem aos poucos. Em 1985, a Associação das Mulheres Cabo-Verdianas a chamou para gravar em Portugal, ao lado de três outras cantoras. O trabalho chegou aos ouvidos do empresário José da Silva, um francês com sangue africano. Encantado, resolveu levá-la para Paris. Era 1988, e a cantora estava com 47 anos.

O lançamento de “Miss Perfumado”, em 1992, selou definitivamente seu destino. Primeiro, foi adotada pelo público francês; depois, o resto do planeta se surpreenderia com a força de sua voz. O tempo dos festivais étnicos havia acabado. Em 1993, Cesaria lotou por duas noites seguidas o elegante L’Olympia, em Paris. Em Lisboa, a polícia foi chamada para conter os fãs que queriam invadir o teatro São Luiz.

No palco, sua marca registrada são os pés descalços —tão famosos que já deram margem até a interpretações sociológicas. Para alguns intelectuais, ela estaria representando a pobreza de Cabo Verde ou defendendo de alguma forma os direitos da mulher. Cesaria acharia graça, se não fosse tão brava. “Não quero representar nada”, diz. “Para isso basta a minha música. É que nunca gostei de sapato.” Segundo ela, a explicação é mais prosaica. “Em Cabo Verde, tem gente calçada e gente descalça. Lá, cada mulher cuida da sua vida e da sua casa, como deve ser.”

A cantora ainda mora em Mindelo, com os dois filhos e as duas netas, mas passa a maior parte do ano longe de casa. Ao contrário de outros artistas, não vê motivos para reclamações.“Não sinto lá muito anos, do Médio, esteve 1994 —e já voltou mais outras quatro. O público brasileiro parece se identificar com seu som, ao mesmo tempo exótico e familiar. Para a cantora, é o segundo melhor lugar do mundo. “Eu gostaria de ter nascido no Brasil”, diz.“Talvez aqui eu tivesse sido descoberta mais cedo.”

Por Ana Ban
marieclaire.globo.com




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