sexta-feira, 19 de junho de 2009

Trecho de Diana – Crônicas Íntimas de Tina Brown


Biografia escrita por uma veterana do jornalismo de celebridades mostra como a princesa usou a imprensa de fofocas para construir o próprio mito.
Logo no primeiro capítulo da biografia Diana – Crônicas Íntimas (tradução de Iva Sofia Gonçalves e Maria Inês Duque Estrada; Ediouro; 452 páginas; ), ela observa que Diana e Dodi poderiam ter evitado o cerco dos fotógrafos se houvessem optado por uma noite íntima na suíte à prova de abelhudos do Ritz, de onde partiu o carro. O hotel, aliás, pertence ao pai de Dodi, o empresário Mohamed al Fayed, cujas doidas teorias conspiratórias são responsáveis pela reabertura dos inquéritos sobre o acidente. Sim, a pressão dos paparazzi precipitou a fatalidade. Mas, argumenta Tina, se Diana saiu para a noite parisiense, é porque queria ser vista e fotografada. "A mídia era a atração fatal de Diana. Ela ao mesmo tempo provocava os jornalistas e fugia deles", disse a VEJA.

Capítulo 21
O acidente

"Escuta aqui, meu chapa, é bem provável que Diana tenha sido morta pelos malditos
paparazzi, e você está tentando me vender fotos do cadáver ainda quente?"
- Diário de Piers Morgan, domingo, 31 de agosto de 1997

Domingo silencioso.

O povo da Inglaterra foi dormir na noite de sábado depois de ter visto na televisão as imagens felizes de uma princesa namoradeira deixando a Sardenha com seu novo e vigoroso namorado. E despertou com informes sombrios sobre o retorno do seu caixão. Ainda estava escuro quando muitos foram despertados pelo telefone: os insones e os trabalhadores noturnos, que ouviram a notícia primeiro, ligavam para os amigos e a família com o grito de "eu tenho que contar para alguém." Houve uma oscilação de energia em torno das 4 da madrugada, quando milhões de chaleiras foram acesas para preparar bules de chá para a maratona de TV. O hino nacional passou a tocar a cada meia hora. Inexistiam precedentes para tal gesto – já que Diana não pertencia mais à família real – porém, tampouco existiam para o que aconteceria na semana seguinte. O cancelamento da cobertura de futebol daquele dia foi espontâneo. Em estações ferroviárias e aeroportos, os reticentes britânicos se voltavam uns para os outros e se consolavam com abraços. O queixo empinado tremeu e logo se abateu no mais espantoso pranto coletivo jamais visto no país.

Com a dor, veio a compulsão de apontar os culpados. A perda de alguém tão especial e jovem, em circunstâncias tão violentas quanto mundanas, exigia um culpado ou uma conspiração, uma explicação proporcional à escala do choque. O irmão de Diana, conde Spencer, entrou em ação poucas horas depois de sua morte . De pé, em frente a sua casa em Cape Town, onde passava férias com os filhos, lançou uma denúncia veemente: "Sempre acreditei que a imprensa acabaria por matá-la. Mas não podia imaginar que teria uma participação tão direta na sua morte, como parece ter sido o caso. Todos os proprietários e editores de todas as publicações que pagaram por fotografias invasivas e aproveitadoras, encorajando indivíduos gananciosos e desumanos a arriscar tudo na perseguição de imagens de Diana, têm hoje sangue nas mãos."

Os paparazzi se tornaram alvo de ataques. Se um representante dessa espécie detestável e com sotaque estrangeiro aparecesse naquele dia em qualquer condado ou subúrbio da Inglaterra, seria estripado e esquartejado. A coisa não podia estar pior para eles. Do grupo que perseguiu Diana desde o Ritz – cinco carros, três motocicletas e duas lambretas –, o primeiro a chegar ao local do acidente tinha um nome talhado para o linchamento público: Romuald Rat, 25 anos. Para piorar, era o mesmo fotógrafo grosseiro que tinha empurrado Dodi e Diana no início daquela mesma noite, quando o casal entrava no prédio do apartamento dele na rue Arsène-Houssaye. A Honda 650 com Rat na garupa guinchou antes de parar a uns 18 metros da colisão. O fotógrafo pulou e correu até o local. Enquanto corria, tirou uma fotografia, depois mais duas. Como poderia não fotografar? A cena no espectral túnel iluminado por lâmpadas fluorescentes sob a Place d’Alma era uma daquelas calamidades que exigem registro. A luxuosa Mercedes do Ritz era agora um monte de ferragens retorcidas voltado para a direção de onde o carro viera. A fumaça cinza do motor se misturava às emanações de gasolina e a um odor metálico de incêndio. A buzina soava sem parar, pressionada pelo cadáver do motorista Henri Paul, preso à coluna de direção pelo impacto do choque direto, a 160 quilômetros por hora, com a 13a pilastra do túnel.

A princesa de Gales, Dodi al Fayed e o guarda-costas Trevor Rees-Jones tinham sido arremessados violentamente dentro do carro, quando este ricocheteou devido ao impacto e girou pelas duas pistas até chocar-se contra a parede direita do túnel. Diana estava toda dobrada no chão, no meio dos destroços, a cabeça entalada entre os dois bancos da frente e olhando para trás. Suas jóias – uma pulseira com seis fios de pérolas e um relógio de ouro ornado de pedras brancas – estavam espalhadas.

Rat orgulhava-se do seu conhecimento de primeiros socorros e técnicas de ressuscitação. Ele abriu a porta traseira da Mercedes. Viu Dodi al Fayed mutilado, obviamente morto, a calça jeans rasgada, e Diana ainda respirando e aparentemente sem ferimentos, o corpo coberto por um tapete do veículo. O fotógrafo pegou o tapete, cobriu com ele os órgãos genitais de Dodi e depois tomou o pulso de Diana. Ela gemeu. "Fique calma, o médico está chegando", disse-lhe Rat em seu inglês com sotaque francês. Ele murmurou as mesmas palavras tranqüilizadoras para Rees-Jones, semi-consciente no assento dianteiro. O nariz e as órbitas dos olhos do guarda-costas tinham sido esmagados de tal maneira que, visto de perfil, seu rosto ensangüentado parecia quase sem relevo.

Dois minutos depois da colisão, mais flashes de câmeras fotográficas salientaram a sinistra incandescência. Na porta do carro, Rat foi empurrado por um fotógrafo francês rival, Christian Martinez, 43 anos, que estava fotografando Diana por cima de seu ombro. "Vá embora, não tire mais fotos de dentro do carro", gritou Rat. "Va te faire foutre!", Martinez grunhiu. "Vá se foder. Suma da minha frente! Estou fazendo o mesmo que você!"

O primeiro médico apareceu pouco mais de um minuto depois da colisão. Os fotógrafos abriram caminho para ele. O dr. Frederic Mailliez, 36 anos, trabalhava para o serviço de emergência SOS Médicins, mas foi por sorte que, ao sair de uma festa de aniversário, entrou no túnel na direção oposta à de Henri Paul, viu os destroços em lenta combustão e chamou a emergência pelo celular. "A porta traseira já estava aberta quando cheguei ao carro... Comecei a examinar a jovem no banco de trás. Dava para ver que era bonita, mas àquela altura eu não tinha idéia de quem era." Diana respirava com dificuldade. Mailliez correu até seu carro, pegou uma máscara e um tanque de oxigênio no porta-malas e voltou para levantar a cabeça dela e delicadamente colocar-lhe a máscara. Ela resistiu, "gemendo e apontando para todos os lados." Quando ela gritou, ele percebeu que era inglesa. "Ela repetia que estava sentindo dores." Não havia ferimentos aparentes, além de um corte profundo na testa, e o pulso estava fraco e rápido. O dr. Mailliez pensou que ela teria alguma chance de sobreviver.

Um policial abriu caminho até o carro entre pelo menos uma dúzia de paparazzi excitados, cujos "flashes disparavam como metralhadoras." O policial Sebastien Dorzee e seu colega Lino Gagliardone, que se dirigiam para a Place d’Alma pela Cours Albert Premier, em resposta a um alerta pelo rádio, tinham visto pessoas apontando freneticamente na direção do túnel. "Houve uma batida... dirijam-se para lá... é no túnel... um barulho terrível, como a explosão de uma bomba – corram!" Enquanto Gagliardone, no carro, pedia apoio, Dorzee corria para a Mercedes, chegava à porta traseira e recebia um rápido informe do dr. Mailliez. Era exatamente meia-noite e meia quando Dorzee reconheceu a princesa de Gales. Os olhos dela estavam abertos. Ela balbuciou algo "numa língua estrangeira" – ele supõe que foi "Meu Deus" em inglês. Ela virou a cabeça, viu o corpo sem vida de Dodi e então se voltou de novo para a frente, onde o guarda-costas se contorcia e Henri Paul estava morto. Agitou-se, abaixou a cabeça e fechou os olhos.

Era meia-noite e 33 minutos quando Dorzee e Mailliez se afastaram para os sapeurspompiers – bombeiros com formação médica – entrarem em ação. Dez deles apareceram no túnel, vestindo camisetas e calças azul-escuro, chefiados pelo sargento Xavier Gourmelon. Dois bombeiros ergueram Dodi e começaram, inutilmente, a fazer massagem cardíaca. Quanto a Rees-Jones, era impossível retirá-lo das ferragens naquele momento. O teto do carro teria que ser cortado, sob holofotes, por um camion de désincarcération – um caminhão equipado com uma espécie de abridor de latas móvel – e o alvoroço seria perigoso para Diana. Eles ergueram a cabeça do guarda-costas, para que ele pudesse respirar, e colocaram nele um colar cervical. O sargento Philippe Boyer, que estava cuidando de Diana, colocou nela outra máscara de oxigênio e cobriu-a com um cobertor isotérmico metálico. Gourmelon ouviu Diana murmurar. "Meu Deus, o que aconteceu?"

O cenário em torno do acidente tinha se tornado caótico. Carros bloqueados buzinavam, pessoas gritavam, a buzina da Mercedes ainda soava. Havia o som das sirenes – "pin-pon" – dos carros de polícia e bombeiros que chegavam ao local. Os flashes constantes, rápidos e parecidos com luzes estroboscópicas, faziam os movimentos parecerem espasmódicos. Da multidão reunida, algumas pessoas gritaram insultos para os paparazzi. Dorzee tentou interromper o frenesi das fotos, mas Christian Martinez revidou. "Caia fora, me deixe trabalhar!", ele berrou. "Em Sarajevo, os tiras não ficam no nosso caminho!" (Mais tarde, Dorzee afirmou que "em nenhum momento um fotógrafo se ofereceu para ajudar".) Em meio à confusão no túnel ouviu-se o rugido de uma motocicleta BMW, com uma mulher jovem e vestida de couro negro no assento do carona. Era mme. Maud Coujard, sub-promotora pública. Numerosos fotógrafos haviam se afastado com a chegada de reforços policiais e mme. Coujard reuniu numa van os que haviam sobrado e os levou para interrogatório.

Enquanto os franceses começavam a investigar nove fotógrafos e um motoboy como suspeitos de "homicídio involuntário" e omissão de socorro a pessoas em risco, o foco da culpa mudava, em algumas áreas, para os supostamente deficientes serviços médicos franceses. Ah, se Diana tivesse sido atendida pelos sistemas britânico ou americano, tão superiores! Ela poderia ter sido salva! Cinco meses depois, dois repórteres da revista Time, Thomas Sancton e Scott MacLeod, dariam peso transatlântico a essa tese xenofóbica, citando a opinião de médicos americanos em seu livro de 1998, Death of a Princess. Mais tarde, em 2001, o professor Christian Barnard, a grande esperança de Diana para conseguir um emprego para Hasnat Khan, estimulou outro round de manchetes no estilo "DIANA PODERIA TER SOBREVIVIDO".

Esses cenários "e se?" no fundo questionam o funcionamento dos sistemas de emergência. Na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, a prioridade é recolher a vítima e disparar para o hospital. Os franceses optaram por um sistema diferente; orgulham-se dele e do seu atendimento médico de urgência, conhecido pela sigla SAMU, de Serviço de Assistência Médica de Urgência, diretamente ligado aos hospitais públicos. Eles acreditam que há maiores chances de recuperação se o paciente com trauma for estabilizado no local e em seguida conduzido o mais depressa possível a um hospital já avisado, onde será atendido por pessoal especializado. As ambulâncias francesas, equipadas com aparelhos de ressuscitação cardíaca ultra-avançados, superiores aos das ambulâncias americanas e britânicas convencionais, dispõem de um médico especializado em emergências. Um supervisor local faz a ligação entre a ambulância, o controle do SAMU e o hospital selecionado para receber o paciente.

A teoria e a prática francesas passaram por um duro teste quando o coordenador do SAMU, dr. Arnaud DeRossi, e o dr. Jean-Marc Martino, especialista em ressuscitação, encarregaram-se de Diana aos quarenta minutos depois da meia-noite. Enquanto o dr. Martino a examinava, DeRossi e o SAMU falavam sobre qual seria a melhor maneira de cuidar dela. Diana estava consciente, mas incoerente e confusa, percebeu o médico. Ela se debateu quando lhe foi aplicado o soro intravenoso para o deslocamento até o hospital. Seu braço direito estava inclinado e deslocado, o que tornou a remoção do carro uma operação delicada. Por volta da uma hora da madrugada, o médico estabilizou a sua pressão arterial e a respiração e com muito cuidado ele e o bombeiro a retiraram de onde estava, entre os bancos do carro, e a colocaram na maca. Infelizmente, assim que ficou pronta para a remoção, seu coração deu uma parada. Esse fato, desprezado ou desconhecido pelos críticos, é considerado um inconveniente pela escola que defende a remoção imediata para o hospital. Mas se os médicos franceses tivessem removido Diana precipitadamente do carro, é bem provável que ela tivesse morrido na hora. Quando pedi a opinião do dr. Isadore Rosenfeld, eminente professor de clínica médica e cardiologia da Faculdade de Medicina Weill, na Universidade de Cornell, ele fez o seguinte comentário: "Conhecendo-se a extensão de suas lesões internas, ela só teria sido salva se a colisão a 160 quilômetros por hora tivesse ocorrido dentro do centro cirúrgico." Na prática, passaram-se 18 longos minutos até que a reanimação cardiopulmonar fosse suficiente para permitir a remoção.

Dentro da ambulância, Diana foi entubada. A pressão caiu e o dr. Martino usou dopamina. O exame que fez então revelou um ferimento no lado direito do tórax que não havia sido observado inicialmente. Ele ficou preocupado com a possibilidade de hemorragia interna. Estava bastante ansioso para deixá-la sem demora no bem equipado hospital que já havia sido avisado pelo dr. De Rossi, mas enfrentava um dilema cruel. Se a ambulância sacudisse Diana, havia o risco de uma nova parada cardíaca.

À uma hora e quarenta e um minutos, o dr. Martino ordenou que a ambulância fosse para o hospital Pitié-Salpêtrière, na margem esquerda do Sena, depois da catedral de Notre Dame e perto da Gare d’Austerlitz. Era um trajeto de seis quilômetros – dez minutos com trânsito normal. Existem críticas pelo fato de ela não ter sido levada ao hospital mais próximo, o Hotel Dieu. Mas o Hôtel Dieu não dispõe de equipes de cardiologistas e neurocirurgiões e não está tão bem equipado para receber pacientes com ferimentos múltiplos. O dr. DeRossi e o SAMU concordaram que Diana teria melhores chances no Pitié-Salpêtrière. Ali se encontrava a equipe e, de plantão naquela noite, um médico especialmente apto a tratar de suas lesões aparentes – o dr. Bruno Riou, professor de anestesiologia e ressuscitação, que havia reunido rapidamente toda a equipe de reanimação do hospital.

A polícia desobstruiu todas as vias. Dessa vez, as motocicletas que acompanhavam Diana eram pilotadas por seguranças, não por agressores. Mas o avanço da ambulância foi lento, uma agonia, porque o dr. Martino estava seguro de que o coração de Diana não suportaria a mais ínfima vibração. Seus temores se confirmaram quando, na altura do jardim botânico, a pressão de Diana caiu perigosamente. O dr. Martino parou a ambulância às duas horas, elevando o nível de dopamina para estabilizá-la novamente.21 Finalmente, eles entraram vagarosamente no pátio com calçamento de pedras do Pitié-Salpêtrière.

Leia mais:
Veja Abril

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