domingo, 18 de julho de 2010

A Lua


Salve, ó Lua cândida,
Que trás dos altos montes
Erguendo a fronte pálida,
Dos negros horizontes
As sombras melancólicas
Vens ora afugentar
Salve, ó astro fúlgido,
Que brilhas docemente,
Melhor que o lume trêmulo
D’estrela inquieta, ardente,
Melhor que o brilho esplêndido
Do sol ferindo o mar!

Salve, ó reflexo tênue
Da eterna luz preclara
Nas nossas noites hórridas;
Qual sol que em linfa clara
Desponta os raios vívidos,
Em tarja multicor;
És como a virgem pudica.
Que amor no peito encerra;
Mas só, mas solitária,
Vagando aqui na terra
Triplica o selo místico
Do não sabido amor!
Eu te amo, ó Lua cândida,
No giro sonolento.
E o teu cortejo mádido
De estrelas, e do vento
O sopro merencório,
Que à noite dá frescor.
Por teus influxos mágicos
Minha alma aos sons do canto
Revive; e os olhos úmidos
Gotejam triste pranto,
Que orvalha a chaga tépido,
Que míngua a antiga dor!

Em gélido sudário
De neve alvinitente,
Por terras vi longínquas,
Durante a noite algente,
A tua luz benéfica
Luzir meiga do céu.
Nos mares solitários
Tão bem a vi! – nas vagas
Brincava o lume argênteo,
Cantava o nauta as magas
Canções, no voluntário,
Cansado exílio seu!

Tão bem a vi na límpida
Corrente vagarosa;
Tão bem nas densas árvores
De selva majestosa,
Coando os raios lúbricos
No lôbrego palmar.
E eu só e melancólico
Sentado ao pé da veia,
Que a deslizar-se tímida
Beijava a branca areia;
Ou já na sombra tétrica
Da mata secular;

Em devaneio plácido
Velava, em quanto via
Ao longe – os altos píncaros
Da negra serrania,
- Disformes atalaias,
Que sempre ali serão!
No rórido silêncio
Minha alma se exaltava;
E das visões fantásticas,
Que a lua desenhava,
Seguia os traços áureos,
Tremendo em negro chão!

Pensava ledo, impróvido,
Até que de repente
Da minha vida mísera
Se me antolhava à mente
A quadra breve e rápida
Do malfadado amor.
Então fugia atônito
O bosque, a selva, a fonte,
E as sombras, e o silêncio;
Bem como o cervo insonte,
Que às setas foge pávido
Do fero caçador!

Salve, ó astro fúlgido,
Que brilhas docemente.
Melhor que o lume trêmulo
D’estrela inquieta, ardente,
Melhor que o brilho esplêndido
Do sol ferindo o mar.
Eu te amo, ó Lua pálida,
Vagando em noite bela,
Rompendo as nuvens túrdidas
Da ríspida procela;
Eu te amo até nas lágrimas
Que fazes derramar.

Gonçalves Dias
In Segundos Cantos e Sextilhas de Frei Antão, 1848

Fonte: avozdapoesia

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