Certos ditados populares
contêm uma sabedoria verdadeiramente imortal, quando nos advertem sobre as relações surpreendentes entre o que
é ilusão e o que é realidade:
* “O essencial é invisível aos
olhos.”
* “As aparências enganam.”
* “O hábito não faz o monge.”
* “Quem vê cara não vê
coração.”
Apesar de todos os avisos e
conselhos nesse sentido, é normal que muitos se deixem levar pelas aparências. Afinal, como explica
outro ditado popular, “o que os olhos não vêem, o coração não sente”. As
pessoas necessitam do apoio da visão externa.
Há muitos São Tomés modernos exigindo ver para crer, e quando eles vêem
algo, acreditam naquilo, mesmo que a visão seja falsa e enganosa e os leve a um
beco sem saída.
Cecília Meireles escreveu:
Os teus ouvidos estão
enganados.
E os teus olhos.
E as tuas mãos.
E a tua boca anda mentindo
Enganada pelos teus sentidos.
Faze silêncio no teu corpo.
E escuta-te.
Há uma verdade silenciosa
dentro de ti.
A verdade sem palavras.
Que procuras inutilmente,
Há tanto tempo (...) [1]
A dificuldade de distinguir
mitos de verdades deve-se também ao fato de que, em certas ocasiões, a verdade
não é agradável.
O ditado popular afirma que o
pior cego é aquele que não quer ver, mas o ditado ignora o fato de que quase
sempre há um motivo forte para manter os olhos fechados. A aceitação da realidade pode derrubar e
destruir as ilusões mais agradáveis.
A ilusão é como uma couraça
protetora. A verdade torna o indivíduo interiormente forte, mas externamente vulnerável. Com ela, o ser
humano é forçado a deixar de lado situações sobre as quais antes comodamente
enganava a si mesmo – e aos outros. Assim, o cego mais astucioso é aquele que prefere
não ver, e uma boa parte das pessoas está nesse caso. É como se o indivíduo
pensasse: “é melhor não saber de certas coisas”. Todo conhecimento direto implica uma
responsabilidade e um perigo. Às vezes o indivíduo foge do perigo − e da sua verdadeira força
interior − buscando refúgio na falsa segurança do não-saber.
Há ainda outro aspecto no
processo de produção de brumas e ilusões. É mais fácil seguir as velhas trilhas
do pensamento conhecido, das ações repetidas, dos pontos de vista
estabelecidos. Muita gente vê a vida
como algo imóvel, ou como algo cujo movimento é sempre o mesmo e não admite
inovações. E há inúmeros cidadãos que querem que seja assim. Apenas gostariam
de trocar alguns poucos fatos isolados, para que suas ambições pessoais se
tornassem realidade.
Quase tudo o que é rotina
parece real. O que rompe a rotina parece irreal e até inaceitável. O caminho estreito e íngreme de que fala
Jesus no Novo Testamento (Mateus, 7: 13-14) consiste em ir contra a correnteza
e olhar os fatos colocando a verdade acima das outras considerações. Esse
caminho precário força o ser humano a pensar, e nele os tombos e os tropeços
são inevitáveis. A roupa fica rasgada. A sola dos sapatos fura. O futuro é
incerto, e o caminhante é visitado pelo medo e pela incerteza –; mas sua alma cresce, e nem as corporações
multinacionais, com todo o seu inquestionável poder tecnológico, puderam
inventar até hoje algo tão importante quanto o simples crescimento da alma.
É verdade que a caminhada do
autoconhecimento não se dá em terreno asfaltado, sob o aplauso constante das
pessoas mais queridas do peregrino, enquanto ele avança feliz entre seus admiradores. O caminho é íngreme. Ele é
percorrido solitariamente em uma paisagem complexa, em meio a luzes e sombras,
sons e silêncios, orientações verdadeiras e falsas indicações. A chave da
vitória do peregrino está sobretudo na sua capacidade de aprender com as
derrotas.
A espiritualidade não existe
afastada da vida. O que há no mundo externo, há também no mundo da busca
espiritual. Existem espertalhões que mentem no âmbito das relações sociais e
econômicas, e outros tantos “espertos” geram mitos no universo da busca
espiritual. Os indivíduos honestos são a maioria em ambas dimensões da vida;
mas eles devem viver com os olhos abertos e com os ouvidos atentos, porque a
vigilância é um preço a pagar pelo progresso, em todos os aspectos da
caminhada.
O grau de honestidade de
qualquer indivíduo em relação aos outros é uma decorrência do seu nível de
honestidade com si mesmo. Quem engana os outros
engana a si. E quem engana a si mesmo não tem motivos − nem meios ou
instrumentos − para ser sincero com os outros.
Por isso, um dos primeiros
passos de toda caminhada espiritual é a decisão de ser honesto com sua própria
consciência interior.
A jornada em busca do
conhecimento sagrado é uma obra de alquimia em que você troca o tempo potencial
de sua vida física por experiência acumulada e sabedoria. Você transmuta tempo,
e energia, em conhecimento. O tempo que lhe é dado viver e a energia vital
correspondente a cada uma das suas faixas etárias são recursos naturais. Mais
do que isso: são recursos naturais não-renováveis − pelo menos do ponto de
vista da sua atual encarnação. Para o
alquimista espiritual, o tempo e a vitalidade são as matérias-primas do seu
trabalho, e não podem ser desperdiçados. Para evitar o mau uso desta
matéria-prima, uma coisa é indispensável: o discernimento. É ele que permite
identificar o que é mito e o que é verdade, o que é folclore e o que é fato, o
que é jogo de cena e o que é lei eterna.
Deste modo o indivíduo evita
jogar fora o tempo de vida que lhe pertence.
É certo que haverá outras encarnações no futuro: mas a qualidade do
ponto de partida que lhe será dado nelas dependerá de saber aproveitar as oportunidades de
agora.
Um comentário:
Não me lembro quando foi a primeira vez que li esse texto. Mas guardei o link, pois ele é um dos melhores e um dos mais verdadeiros. De tempos e tempos venho aqui, só pra reafirmar estas verdades.
Postar um comentário