quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Diário do Caos

A minha casa está em obras. Essa frase por si só já é capaz de causar arrepios em quem esteve nessa situação, principalmente porque, muito pior do que o incômodo sugerido, em se tratando de casas propriamente ditas, existe a certeza de que sempre haverá uma próxima vez. As reformas domiciliares são uma espécie de estado de sítio particular, uma revolução que institui um governo provisório capaz de esvaziar a autoridade soberana da casa como um saco de cimento e transferir todo o poder para quem parece falar uma outra língua, ou você consegue entender o que dizem os pedreiros?
As obras não são apenas um acontecimento indesejável, mas, sim, uma fase de duração indeterminada capaz de tirar qualquer um do sério. Enquanto escrevo este texto, antes mesmo de tomar café da manhã, ouço dois tipos diferentes de marretada: uma é aguda e tem intervalos curtos, a outra é espaçada, grave e faz as paredes tremerem. Além dessa agradável sinfonia - fora a conversa alta e o radinho de pilha - a todo momento vem alguém aqui me interromper.
Já fui informado de que será preciso comprar material adicional, é o famoso “fator de imprevisibilidade” que existe em toda obra. Semana passada esse fator foi responsável pelo rompimento da tubulação de gás da casa, o que culminou na destruição quase que total do piso da área de serviço. Aprendi que os tubos de gás são de cobre, absurdamente caros e não podem ser remendados, portanto é preciso substituir a peça inteira, até a junta. O problema é encontrar a junta.
Sempre que vou até a loja de construção comprar material para a obra me sinto como uma criança. Na maioria das vezes não faço a menor idéia do que preciso levar e tudo o que tenho é um papel com nomes de produtos escritos errado e instruções incompletas. A meta é repetir, que nem um papagaio, no balcão da loja o que ouvi em casa, e torcer para que o vendedor não faça nenhuma pergunta. É claro que isso sempre acontece. Constrangido por ser um completo ignorante no assunto que todos a minha volta parecem dominar, muitas vezes finjo entender de construção, reproduzindo uma ou outra expressão roubada das conversas alheias.
Essa tática, no entanto, não me livra da humilhação de ter que trocar o que foi comprado errado. O item mais problemático até agora foi a calha do telhado; os tubos, conexões e braçadeiras já me fizeram visitar três lojas distintas, isso porque as peças são vendidas separadamente e sempre há o risco de incompatibilidade. O alívio de finalmente ter uma calha completa durou muito pouco, mais precisamente até o pedreiro dizer “essa aqui até que é boazinha. Vamos colocar no lugar pra ver se funciona”. Pra ver se funciona? Como assim? Por que não me disse antes que tipo eu deveria comprar?
Acho que os pedreiros possuem um sádico prazer em nos confundir e nos apavorar. Eles gostam de dizer frases do tipo “vamos ter que quebrar tudo de novo”, “depois que a gente fizer o serviço não tem mais como mexer” ou “eu se fosse você aproveitaria logo para trocar tudo”, deixando pairar sobre meus ombros o peso de uma dúvida que não tenho nenhuma condição de resolver sozinho. Nesse momento bate uma paranóia de que estou sendo enganado por todos os envolvidos. Aliás, não é paranóia, tenho certeza que isso de fato acontece.
Acabei de ser comunicado que o cachorro passou por uma porta que costuma ficar fechada e, possivelmente atordoado com o movimento, resolveu aproveitar o descuido para protestar, fazendo xixi no som da sala. Não foi em volta do som, foi nos botões, na estante e em parte do tapete. O dia mal começou e o que vejo não é nada animador: a casa está repleta de poeira, o barulho é atordoante, o cachorro está sujo e escondendo utensílios dospedreiros debaixo do sofá, a previsão é de muitos gastos adicionais e agora mesmo preciso ir até a loja de construção, novamente, para trocar a calha que comprei errado!
Postado por Bruno Medina em 04 de Dezembro de 2007
http://colunas.g1.com.br/instanteposterior/page/10/

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