quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Diálogo sobre perdedores e vencedores


Só perdedores como amigos.
– Como é que é?
– Isso, perdedores se atraem.
– Seus amigos são meus também. Nenhum é perdedor.
– Depende do ângulo de se olhar.
– Ângulo? Que ângulo?
– Acho vencedores insuportáveis. Só falam de vitória.
- Perdedores nunca comentam derrota.
– Não estou entendendo.
– Vencedores se dão com perdedores para exibir sua condição. O contrário não ocorre. Perdedor foge de vencedor.
– Perdedor de quê? Vencedor em quê?
– De tudo. Na vida. Basta reparar o comportamento, logo vê: perdedor ou vencedor.
– Essa estória dá tese. Mas é maniqueísta, simplista. A vida é bem mais complexa.
– Falo de atitude diante do mundo. Chamo de vencedor quem acredita no papel que representa, senta na cabeceira, levanta voz, faz sucesso, tem resposta pra tudo, manda em mulher, ganha mais, é chefe, patrão, dá ordens. Digo do ser humano em geral, qualquer sociedade e atividade, bolsa de valores ou aldeia isolada da Amazônia.
– E perdedor?
– O oposto. Vive em dúvida e incerteza, vacila o tempo todo. Às vezes, um perdedor se finge vencedor. Em outras, tenta ser ou imitar vencedor e não convence. Entende? Viu aonde quero chegar?
– Não, mesmo. Pode afirmar que nosso pessoal, eu, você, somos perdedores?
– Sou perdedor com orgulho, consciente. A maioria nem sabe que é. A diferença é essa. Você vai entender: por mais que procure vitória, antes da tentativa, em seu íntimo, o perdedor sabe que a derrota é certa, convive com ela. Veja, não são duas categorias fixas, o cara pode ser idiota vencedor e consegue se tornar perdedor.
– Subjetivismo puro, você tem que provar com exemplo concreto, sem essa sua teoria de contrários. Começo com Picasso.
– Caso raro, no início, grande perdedor e virou vencedor.
– Cristo?
– Perdedor.
– O Che?
– Perdedor.
– Fidel?
– Vencedor.
– Pelé?
– Vencedor.
– Garrincha?
– Perdedor.
– Carlos Drummond de Andrade?
– Perdedor, fácil. Poeta verdadeiro nunca é vencedor.
– Jorge Amado?
– Vencedor.
– Graciliano Ramos?
– Perdedor.
– Pixinguinha?
– Perdedor.
– Tom Jobim?
– Vencedor.
– Nem vem. Você apenas estabeleceu valores, na sua preferência pessoal. A maioria das pessoas não pensa assim.
– A maioria segue como manada a fabricação da mídia. Pensa sem originalidade. Repara o jeito de cada um desses vencedores. Como são, como foram. Distantes da solidariedade, pernósticos, egoístas. Perdedores são especiais. Compara Garrincha com Pelé, Pixinguinha e Tom Jobim, Graciliano e Jorge Amado. Dá pra comparar? Perdedores são maiores, superam a precariedade humana.
– Tudo bem. Diz: eu, você, de nosso grupo, quem chama de perdedor e vencedor?
– Não tem jeito, você insiste. Quer ouvir. Só tem perdedores. Não disse que se atraem? Exceções eram você e a Mariinha, enquanto posavam como modelo de casal certinho. Agora, já não são mais vencedores, desde a separação. Não dá para negar que ambos melhoraram demais, particularmente a Mariinha. Agora o mérito de serem perdedores é quase todo de vocês, mas eu tenho orgulho de ter contribuído.

Por Paulo Maldonado

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